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quinta-feira, 17 de junho de 2010

A VIDA SEXUAL DO TEMPO (Crônica)

A VIDA SEXUAL DO TEMPO

Rangel Alves da Costa*


Ontem o tempo estava reclamando da solidão, do abandono, da falta de uma companhia que lhe desse prazer. Gostaria muito de que esse prazer estivesse acompanhado de amor, de ternura, de compartilhamento, mas se contentaria apenas com o prazer sexual, que era o mais fácil de se ter desde aqueles tempos. Hoje está mais alegre, mais vivaz, sorridente. Acabou de ficar alguns minutos com as horas, coisa que há muito tempo vinha tentando e só agora conseguiu. Que bom se pudesse ficar amando as horas pela eternidade, desejou poeticamente o tempo.
Como visto, assim como as pessoas, os bichos e outros seres viventes, o tempo também tem uma vida sexual, ora mais ativa, ora menos ativa, segundo permitem as estações da vida. Ao menos deveria ser assim, se não fosse a dúvida em qual tempo de sexo está vivendo, se o sexo fugaz e passageiro ou aquele fruto de amor verdadeiro, que faz até o tempo invejar de tanto prazer na entrega.
O tempo já viveu um tempo onde manter relações sexuais com a futura esposa era coisa do outro mundo. Desonra familiar, conduta impensável para uma moça de família e que se respeitasse, afronta maior aos princípios da moral e dos bons costumes, assim era vista a situação da mocinha cuja fragilidade da carne desafiava o conservadorismo, a chibata e o açoite. Como nunca casou, o tempo viveu refém dessa imposição, vez que se apaixonava e procurava ir até às últimas consequencias da paixão, mas quando esperava provar do doce prazer do corpo era acusado de querer se aproveitar da inocência daquelas que apenas viviam os ditames do seu tempo.
Com o passar dos anos e as tradições familiares começaram a se arrefecer e o tempo começou a perceber que não duraria muito para que o sexo se tornasse tão vulgar quanto os segundos chegam e os minutos se vão, até que se aproveitou da situação e deitou muitas vezes com a noite, se fartou das estrelas e teve encontros passageiros com a ventania. Tem uma estrela que se apaixonou de tal modo pelos favores sexuais do tempo que até hoje fica a mais iluminada nas noites só para ver se ele tem um tempinho e a deseja e convida para o prazer. Dizem que as estrelas cadentes vivem de um lado para o outro procurando o tempo para fazerem estrelinhas.
Nas suas bravatas em busca dos prazeres, o tempo se transforma segundo aquela companheira que deseja encontrar. Assim, às vezes tempo é apenas duração até que esteja satisfeito, outras vezes é medição de intervalos entre um prazer e outro, é distância de um passado de tantas alegrias, é momento de viver o máximo do que a carne deseja e outro instante oferece, é oportunidade que não deixa passar de ter mais e mais prazer, é circunstância em tantos amores encontrados sem jamais serem desejados, é agora que quer amar e não tem a quem, é futuro e talvez, se o tempo for bom com o tempo.
Mas o tempo está apressado. A vida passa muito rápido e sente que suas forças não são mais aquelas dos tempos idos. Já amou o passado e o presente ao mesmo tempo, já deitou na cama das nuvens as maiores estrelas do seu tempo, já bebeu do elixir da vida para ver se a eternidade lhe permitia um dia beijar a boca vermelha do futuro. Há mais de um ano que não sabe o que é sexo, beijos e abraços; há mais de cem anos que não engana ninguém com uma aliança de noivado; há mais de trezentos anos que não encontra uma vida séria para se apaixonar. E quanto mais o tempo passa mais entristece, pois sente nas marcas do tempo que os seres não sabem mais viver o seu tempo.
Outro dia o tempo ficou mais feliz. Percebeu que também era história e que não morreria nunca, e por isso não descansaria enquanto não casasse com a eternidade.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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