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sábado, 5 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 6

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 6

Rangel Alves da Costa*


Lúcia casou e viajou no mesmo dia com o esposo. Na noite desse mesmo dia, percebendo o convidativo céu estrelado e agindo como sempre costumava fazer quando queria fazer da escuridão enluarada um cenário ideal para reflexão, Lucas caminhou até as cercanias mais altas do lugar. Como era bom, mesmo em plena escuridão fechada, poder conversar com a noite tristemente silenciosa e mirar em diálogo os tantos astros lá por cima.
Empresta-me tua lança São Jorge, preciso de teu amparo, de tua força e proteção para enfrentar os desafios da solidão! Só por alguns dias, São Jorge, joga tua lança em minhas mãos que preciso ferir de morte todos os medos que se escondem por todo lugar, quero espantar os fantasmas do ainda não realizado e abrir passagem por entre as difíceis veredas que levam aos largos e confortantes caminhos que por certo encontrarei! Descei aqui São Jorge e junto a mim diga baixinho o nome de todos os dragões que terei de vencer aqui na terra para ser feliz e fazer os outros felizes! Dizei-me, São Jorge, se terão o nome de Medo, Ameaça, Temor, Dificuldade, Abandono e Solidão ou Força, Fé, Destemor, Luta e Vitória? Dizei-me amigo Jorge, se serei apenas um Dom Quixote imaginando demais e temendo demais ou um guerreiro verdadeiro combatendo o combate verdadeiro. Não temo os moinhos de vento, mas hei de temer a vida!
São Jorge, nunca disse isso a ninguém não, mas quero lhe confessar que já fui um grande guerreiro, que já tive muitas vitórias e derrotas, e que ainda terei que combater a batalha maior, a grandiosa batalha, onde qualquer tropeço será o fim de todos os meus propósitos nessa vida. E como já fui grande guerreiro se só tenho essa idade e nunca saí desse lugar? Haverá de me indagar. Mas direi, meu bom Jorge, que os sonhos que sonhei sendo guerreiro de cicatrizes e punhos erguidos jamais foram somente distrações das noites sonhadoras, e sim avisos e ensinamentos para a minha verdadeira missão aqui na terra. Sonhei me vendo guerreiro e guerreando sim, sonhei lutando, vencendo e perdendo sim, sonhei que acordaria para outra realidade sim, e por isso mesmo creio, chego a ter a máxima certeza que, mais que nunca, vez que agora vivo praticamente na solidão, preciso de um escudo e de uma lança, de uma estrada pra caminhar e de sorte, muita sorte na vida, para enfrentar todas as feras que encontrarei pela frente. Esse é o meu destino, sei, meu bom Jorge!
Todas as vezes que venho aqui tenho vontade de lhe dizer essas coisas. Não havia dito ainda porque pensava que o guerreiro pudesse viver somente do que sonhava, das guerras que guerreava e depois acordava, mas não. Quando perdi minha mãe encontrei o primeiro dragão me espreitando, me achando presa fácil diante daquela inesperada situação. Venci a fera pensando na existência do meu pai. E quando meu pai morreu, o dragão de antes havia renascido e surgido acompanhado de uma fera ainda mais feroz, que era a dor da realidade inevitável. Aquela realidade que me ameaçava e dizia que eu me fizesse ainda mais homem porque a qualquer instante chegaria minha hora e minha vez. E como é bom, amigo Jorge, o nosso Deus nesse instante! Todas as guerras que venci em sonhos penso que foi porque orei antes de adormecer. E agora oro a todo instante bem dentro do meu coração, com a certeza de que nenhum mal irá me submeter sem que encontre a devida resposta na força da fé, na crença que o meu Deus realmente existe e que está sempre ao meu lado. E como é bom esse Deus, amigo Jorge!
Quando minha irmã me disse que estava apaixonada e que com o casamento desejado cumpriria parte do seu destino de mulher, e com isto logo senti aumentar à minha frente a solidão, não temi mais nenhum dragão meu bom Jorge, pois já estava me aprontando para uma guerra maior, que com efeito existe. E assim que ela marcou a data do casamento me veio o primeiro sinal para fazer um reconhecimento maior do terreno onde iria guerrear, que era dentro de casa e da soleira da porta adiante, nesse vasto mundo onde tanto terei que caminhar. E hoje ela casou. Dizei-me então, amigo Jorge se será eficaz a única arma que pretendo usar em toda minha luta. Não conhece minha arma, amigo Jorge? Direi que por enquanto só tenho a solidão, mas com ela virá a palavra, e na palavra o escudo e a lança.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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