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sábado, 5 de junho de 2010

O LIVRO DO PERDÃO (Crônica)

O LIVRO DO PERDÃO

Rangel Alves da Costa*


O livro do perdão foi escrito no nascer do mundo e está sendo reescrito a cada dia, a cada instante, e tudo indica que se forja sozinho na palavra, pois parece que ninguém nunca lê ou segue suas lições. Quem já leu suas páginas saberá perdoar a ignorância daqueles que acham que a dureza do diamante não se curva perante um gesto de humildade.
O descaso pelo livro do perdão é fruto do desconhecimento das pessoas do que seja o perdão. Certa vez, um velho perguntou a três jovens sobre o que achavam do significado da palavra perdão. O primeiro disse que não sabia porque os seus pais sempre lhe ensinaram que o perdão não era coisa para homens valentes e destemidos, inflexíveis e impiedosos, como ele deveria ser sempre; o segundo afirmou que o perdão era esquecer tudo aquilo que o outro fez de errado, de modo que o erro não se repetisse na pessoa que agiu com erro; e o terceiro simplesmente disse que o perdão era aceitar tudo o que viesse dos outros porque todo mundo tem o direito de errar.
O velho admirou-se com as três respostas, não os corrigiu e disse apenas que perdoava as incorreções porventura expressadas por eles. Mas ao primeiro disse que ele próprio, o velho, não perdoaria jamais a atitude dos seus pais; ao segundo disse que poderia trilhar melhor seu caminho ao perdão; e ao terceiro disse que nem os outros que estivessem errados perdoariam o seu erro em pensar assim. E depois explicou por que.
Segundo o velho, quase tudo o que se fala atualmente sobre o perdão é dito de modo diferente do que está contido no livro do perdão, este mesmo livro que nos dias atuais é do conhecimento apenas de pouquíssimas pessoas, seres humanos iluminados e escolhidos para preservarem na memória o arcabouço do velho livro, vez que o seu original está escondido num lugar que até hoje desafia arqueólogos, teólogos e pesquisadores.
Atualmente, o que se fala sobre o perdão são conceitos gerais que não expressam a essência do que seja perdoar. É tudo muito vago, muito simples, dizia o velho. Assim, se tem que o perdão é não guardar ressentimento ou raiva contra a pessoa que fez algum mal, ofendeu moralmente ou agiu de má-fé; é o esquecimento completo e absoluto das ofensas; é esquecer algo de errado que alguém fez a outro; é a capacidade de você lembrar de uma ofensa, e mesmo assim não ter afetado o seu relacionamento mútuo; é se sentir ofendido e fazer de conta que nada de grava ou ruim ocorreu; é deixar de exigir do outro a reparação de um erro, de um débito moral ou material; é desculpar, indultar, dizer que está tudo bem.
Mas será que é isso mesmo? Indagava o velho. Duvido que perdões desse tipo não venham, depois, ser respondidos com ofensas redobradas, com consequencias até mortais, vez que o que falsamente perdoa nada mais faz do que dar um tempo para armar-se de ódios, rancores insustentáveis e buscas de desforras as mais horrendas. Desse modo, o perdão que se pensa obtido nada mais é do que a ilusão para esmorecer o espírito e se tornar presa ainda mais fácil para o troco daquele que um dia foi agredido. Não haverá, assim, perdão que se afirme no acúmulo do ódio e na cultura do revanchismo.
Daí que o perdão que está contido no velho livro é muito diferente desse falso perdão. O que se tem de mais próximo ao verdadeiro livro do perdão é o que está contido em algumas passagens da Bíblia, como em Mateus 6:14-15 “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai perdoará vossas ofensas”; ou no Salmo 32: “Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada e cujo pecado é coberto..."; ou ainda em Lucas 17: 3-4: "Acautelai-vos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe". Como se observa, o sentido desse perdoar é sempre dar uma chance para que o outro reconheça verdadeiramente sua culpa.
Agora vou contar um segredo a vocês, disse o velho. Eu sou um dos poucos que conhece o conteúdo do velho e verdadeiro livro do perdão, e ele conceitua o perdão com estas simples palavras que somente vocês irão ouvir agora: O perdão é a palavra que o ofendido diz ao próprio coração ferido: perdoa assim mesmo, e ama-o mesmo que ele não saiba o que é o amor.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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