EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 8
Rangel Alves da Costa*
Lucas preparou um café e ficaram conversando por um bom tempo enquanto a chuva continuava caindo forte lá fora. O Padre Josefo falou sobre a desventura do carro que dirigia ter enguiçado logo ali pertinho da entrada da cidade, fazendo com que deixasse o mesmo no local até que encontrasse alguém para consertá-lo, o que deveria ser feito no dia seguinte. Enquanto caminhava em busca da igreja começou aquela chuvarada toda e não deu outra, teve mesmo que procurar abrigo onde fosse possível. Por essa e outras é que estava ali, dizia o sacerdote, acentuando que Deus, ao escrever certo por linhas tortas, certamente o havia encaminhado para aquela casa não por um acaso, mas com uma missão especial. E precisava saber qual era.
- Por essas horas da noite e sem que outras pessoas tenham chegado, parece que você mora sozinho, o que não deve ser fácil para um rapaz de sua idade, ainda jovem e com tal responsabilidade. Se não estiver incomodando, se não for querer me intrometer demais nos seus assuntos particulares, você poderia bem dizer em poucas palavras o que faz na vida, o porquê de morar sozinho nesta casa, enfim, o que achar que deve dizer para que eu possa ficar lhe conhecendo um pouco mais, já que se mostra uma pessoa tão agradável e bondosa, um bom filho de Deus – Falou o sacerdote, na esperança que Lucas se fizesse conhecer melhor.
- Na verdade, é o senhor que deve ter muitas coisas para relatar nessa rica experiência que é a igreja. Serei rápido, porque quero ouvir e não falar, principalmente quando minha vida se resume a poucas palavras. Mas vamos lá. Sou professor de velhos, adultos e crianças, ensino numa escolinha aqui perto, mas sempre encontro um tempinho para ensinar a todos que queiram aprender um pouco mais. Ganho muito mais com isso do que o salário que me pagam como professor, pois nada é mais recompensador do que fazer amizade com todos e vê-los felizes porque aprenderam a ler e escrever ou assinar o nome. Sou solteiro, como já deve ter percebido, e estou morando sozinho a partir de hoje. Exatamente hoje minha única irmã casou e foi morar com o esposo em outra cidade, mas há bem pouco tempo atrás éramos quatro nesta casa: meus pais, minha irmã e eu. Meus pais faleceram bem próximo um ao outro, e Lúcia, minha irmã, que certamente não iria ficar pra semente, encontrou um rapaz que lhe pareceu conveniente amar e acabou casando. Em síntese, é isso.
O Padre Josefo até que ficou com vontade de saber mais sobre a pequena família que aos poucos foi desaparecendo dali, mas resolveu que seria melhor não atiçar recordações maiores no rapaz, principalmente porque sabia que não era fácil alguém tão jovem morar sozinho e ainda carregar no pensamento as tantas saudades da família. Resolveu que não, mas se interessou por saber sobre os planos de Lucas. E começou a indagar sobre isso:
- E agora rapaz, não pretende encontrar uma boa mulher para casar ou pretende continuar sozinho nesta casa que parece grande demais para uma única pessoa? Sempre achei que ninguém consegue morar sozinho, pois a mente traz sempre situações e pessoas que passam a ocupar espaço na casa, fazendo com que o morador conviva sempre com a companhia do invisível muito presente. O que você acha?
- É muito cedo para falar sobre morar sozinho, pois somente a partir dessa noite é que estarei nessa condição, mas adianto que nada vai mudar em minha vida. Se essa casa estivesse repleta de pessoas e eu quisesse estar apenas comigo mesmo não teria problema algum, pois consigo ser o que quero ser mesmo numa multidão. Até vai ser melhor assim, pois convidarei quem eu queira para morar comigo, que certamente serão os meus pais, minha irmã e todas aquelas pessoas e seres que pretendo que estejam sempre ao meu lado. Como sacerdote, sabe muito bem que jamais estarei sozinho, nem que eu quisesse. As coisas, os seres, os elementos estão sempre ao nosso lado sem que ao menos percebamos. E quando desejamos que isto realmente aconteça e escolhemos quais sejam tais seres, aí tudo fica mais agradável e nos enche de satisfação e conforto, e principalmente de proteção. Assim, não tenho dúvidas da presença divina nesta casa, o meu bom Deus com toda sua força sempre ao meu lado. Os anjos, estes estão por todos os lugares, pelos ares, aqui, agora, ao nosso lado, e espero que vivam em festa por aqui, sempre ao meu lado, me protegendo em todos os passos que der na vida... – Lucas falava empolgado, demonstrando intensa emoção, com os olhos que vibravam no que dizia.
O padre interrompeu por um instante:
- Você demonstra ser muito religioso, será isso mesmo?
- Me desculpe dizer, mas não religioso perante a igreja do mundo, e sim na igreja do meu coração, que tem religião e fé próprias. Daí que sua igreja, por mais que eu respeite e seja fiel, não é igual à minha igreja, que tem um Deus muito maior e mais vivo.
O padre ficou ruborizado, nervoso, sem saber o que dizer. Afinal de contas, onde ele queria chegar com tal afirmação?, foi o que pensou. Em seguida perguntou:
- Como é esse seu templo de fé que diz ter erguido no coração?
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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