EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 11
Rangel Alves da Costa*
O Padre Josefo, homem veterano na igreja e na lide com as coisas da religião e da fé, parecia sentir-se encurralado diante das palavras do jovem. O problema - e isto tinha de reconhecer como existente, mas não por culpa sua, vez que situado naquele meio como mero pastor de rebanhos - estava na própria igreja que ao longo dos anos vinha negligenciando o tratamento ao elemento essencial, que é o homem. Sabia que sem a atenção às pessoas, às almas vivas e carentes, aos seus anseios e à sua busca da palavra divina muitas vezes como última fronteira de salvação, ela não passaria de um templo construído com o mesmo material com que se ergue uma casa onde prevalece o pecado. Neste aspecto poderia estar o erro fatal da igreja e dos sacerdotes.
Levantando e passeando pela sala vendo fotografias antigas nas paredes, o sacerdote, tentava dar um desfecho àquelas considerações que chegaram num ponto onde jamais esperava. Precisava acabar logo com aquele assunto até mesmo porque temia que as coisas desandassem de vez e acabasse sendo desmoralizado perante a sabedoria e esperteza do rapaz. Por fim, falou:
- Mais uma vez tens razão, meu bom rapaz. Veja que estou reconhecendo muitas coisas que chegam a mim como lança afiada, como metal sedento que quer me atingir esse velho peito já por demais combalido pelos tantos combates na vida. Mas tens razão, jovem alvissareiro e de futuro promissor, tens razão quando dizes que tenho de abraçar a igreja dessa localidade de um modo diferente, mais vivo e com mais humanização religiosa do que com a imposição de preceitos da fé. Tentarei fazer isto, juro por Deus que tentarei, e com todas as minhas forças e por todas as vezes que lembrar dessas suas palavras. Até que gostaria muito que me ajudasse mais proximamente nessa caminhada, sendo um parceiro de fundamental importância na igreja, mas sei que sua missão é outra, sinto isso...
Lucas ouviu atentamente o que o padre havia dito, compreendeu muito bem o reconhecimento feito, porém não entendeu muito bem o sentido quando ele diz ser outra sua missão. Por isso mesmo pediu que esclarecesse melhor as últimas palavras. E coube ao homem explicar-se:
- Isso mesmo meu filho, e sem colocar tal questionamento em um manto de mistérios, quero afirmar que algo superior me diz, uma verdadeira força divina me sopra ao ouvido e diz que tens uma missão muito especial aqui na terra e que, ao seu modo, será de fazer valer perante a realidade tudo aquilo que tanto defendeu aqui há instantes atrás, ou seja, fazer com que o povo reconheça essa igreja viva que tem no coração e que seja chamado a participar dela, vez que lidará com pessoas que dependerão muito da sua palavra de alento. Mas não será uma missão fácil, sem dificuldades, me diz essa mesma voz. E será ainda mais difícil porque construirá a sua própria religião e nela fortificará muitas coisas que serão incompreendidas por muitos, e por isso mesmo sentirá na pele, na tristeza e na solidão entre muitos que tudo é muito difícil, muito pesaroso e quase sempre desestimulador. E aí é que imporá sua força imensa para continuar lutando pelos seus ideais e continuar prosseguindo perante os objetivos de sua estrada.
Diante de tais palavras, Lucas ficou até mesmo sem ter o que dizer, sem argumentar nada sobre aquilo, pois era normal que o sacerdote pensasse e dissesse sobre ele o que quisesse. O problema era mostrar ao homem da igreja que nada de anormal aconteceria na sua vida, pois se sentia uma pessoa cujo compromisso maior naqueles tempos era com a sobrevivência com dignidade, com os seus alunos, com o juntar os cacos da família desfeita em tão pouco tempo. Desse modo, achou por bem dizer que estava deveras surpreso com aquelas palavras mas que por enquanto continuaria sendo o mesmo Lucas da vida e da sorte da vida.
- Vê, pois, como de repente o vinho se transmuda em água, ou vice-versa. Há instantes atrás dizíamos das carências da igreja e agora me vens colocando-me num verdadeiro altar de responsabilidades. Agradeço pelas expressões que usou, mas pretendo continuar sendo o mesmo Lucas, a mesma pessoa que tem por objetivo maior apenas construir uma grandeza de espírito pelo pouco que tem, pois nunca pensei em coisas materiais e nem nas vantagens oferecidas pela vida mundana. O que pretendo então é me aperfeiçoar cada vez como cidadão e como amigo de todos aqueles que necessitem do meu auxílio e do meu apoio. Se puder ajudar a milhares, milhões, aí sim, terei o prazer de possuir esse imenso rebanho, mas sem sair desse lugar nem deixar o meu jeito simples de ser...
E o sacerdote interrompeu:
- Mas será tudo isso, meu rapaz, e será muito mais, acredite no que estou dizendo. Aliás, nem sou eu quem está dizendo – e apontou para cima, para o céu, que deveria estar após o telhado -. Ademais, e pensando melhor sobre isso, tudo se correlaciona como um verdadeiro propósito divino. Até o seu nome, até seu bendito nome é divino: Lucas, aquele mesmo do evangelho, do Evangelho Segundo São Lucas. Seus pais, talvez sem querer, colocaram no filho o nome de um evangelista muito culto, assim como você. No bom Lucas, o santo, se refletirá, tenha certeza disso...
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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