NOITES DO TEMPO
Rangel Alves da Costa*
Quando alguém quer falar sobre algo que aconteceu num passado distante, numa era já consumida pelas neblinas da idade ou naquilo que outrora aconteceu e que não se pode definir uma data, diz que isto ou aquilo se perdeu nas noites do tempo. Neste sentido, noites do tempo significaria o que já existiu e só é possível avistar na memória.
As noites dos tempos, secular estágio do que se foi, assombram pelo seu poder de estar presente em qualquer instante futuro, nos dias atuais, neste momento agora. E possui vozes, pois os clamores, a dicção angustiosa do passado, se expressam naquilo que a qualquer tempo chamamos de saudade, de lembrança, de recordação, de nostalgia, de pensamento do que foi um dia e não é mais. Daí serem doloridas e pesarosas as noites do tempo.
Hoje, ao cismar na janela e ver-se como numa viagem a um mundo distante no passado, o triste e solitário viajante nada mais faz do que caminhar os mesmos passos que um dia Cronos, o deus mitológico do Tempo, perseguiu para nortear seu destino infinito. Evoluindo sempre, porém evoluindo para o que, para onde, para chegar a qual estágio?
Um dia Cronos, com a foice afiada pela terra, cortou os testículos do pai Urano – que incessantemente fecundava sua mãe Gaia, a Terra - e impôs um reinado tão poderoso quanto o do seu genitor objetivando dar um andamento normal aos fatos e coisas, pois era o Tempo, e o tempo precisa evoluir dentro de uma normalidade. Contudo, o que se viu foi que o próprio Tempo, com sua insaciável fome devoradora da vida, com o seu ávido desejo de destruir para fazer renascer, nada mais fez do que propagar a instabilidade da vida, pois se percebeu a partir de então que nada é perene e tudo se consome.
Há alguma diferença entre o Tempo enquanto divindade mitológica que devora e quer mais e o tempo/vida que alimenta ilusões para depois devorar? Cronos, o Tempo, devorou seus próprios filhos, vivia desesperadamente cumprindo seu destino de regular a vida, revolucionar constantemente a natureza, e está provado que ainda hoje não conseguiu seus intentos, pois ele mesmo faz e ele mesmo destrói. Por sua vez, o tempo/vida, esse que se mostra no ontem e no hoje, fiel filho do outro tempo, nada mais faz do que temer que o seu pai venha lhe devorar, e por isso mesmo se antecipa aos fatos e vai destruindo tudo aquilo que egoisticamente se dizia sólido, indestrutível.
Verdade é que tudo na vida se fez refém do tempo. Das suas noites chegam as dores de um passado que atiça o lado mais perverso da memória, que é o de lembrar coisas tristes, e deixam em estado de constante instabilidade as situações, por temor de ser a próxima vítima, pelo medo de ser também devorado, pelo pavor de que lhe aconteça o indesejável.
Mas são as noites do tempo com os seus exemplos que nada mais são do que as lições que os seres humanos nunca têm tempo de aprender. Quanto se chega ao imaginado estágio do conhecimento, da sabedoria, da experiência pelos passos caminhados, então vem o tempo e chama para si tudo que se dizia existir. E então tudo volta a ser noite, nas noites do tempo.
Verdade é que as manhãs existem, a madrugada se vai, o mundo acorda, e vem o sol, os dias, as tardes, o entardecer, a penumbra, a noite e novamente a madrugada, tudo num percurso do tempo. E existem os segundos, os minutos, as horas, os dias, as semanas, os meses, os anos, os séculos, a história, e tudo num ciclo de tempo. E o que se colhe nisso e disso tudo, senão a certeza de ser um grão nessa imensidão que durará até chegar a fome do tempo. Daí que o falso brilho que temos hoje, amanhã, quando muito, será somente uma réstia de qualquer memória nas noites do tempo.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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