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segunda-feira, 21 de junho de 2010

A FIEL FEITICEIRA DO TEMPLO (Conto)

A FIEL FEITICEIRA DO TEMPLO

Rangel Alves da Costa*


No País do Solsd, no Reino do Encant, no Castelo dos Aconts, reinava uma família de linhagem muito antiga, a mais antiga da terra. Essa família era comandada pelo Rei Lind, esposo da Rainha Belez. O casal muito jovem ainda não tinha filhos, nenhum herdeiro do trono hereditário.
No belíssimo castelo deste reino, circundado por mil jardins de todas as flores, preservava-se a tradição da crença no misticismo, na magia, nos encantamentos, nos mistérios dos dias e das noites e das influências dos feitiços na vida do reino, dos soberanos e súditos. Por isso mesmo é que nos fundos do castelo havia um grande templo dedicado à poderosa Intri, deusa do sobrenatural ali também reverenciada.
A zeladora desse templo era a também poderosa feiticeira Mei, jovem e dona de uma beleza inigualável. Diziam até que os seus dotes físicos eram muito superiores, em encanto e formosura, aos da Rainha Belez. Totalmente voltada aos mistérios do templo, dedicava-se fielmente e o tempo inteiro em atender às ordens dos seus soberanos, fazendo presságios, adivinhações, cuidando para que os elementos sobrenaturais também agissem para dar vida longa ao reinado e sucesso em todas as empreitadas do rei. Por isso não tinha tempo para o amor, para as coisas do coração, para viver os prazeres do corpo, mesmo que guardasse dentro de si segredos de uma paixão quase incontida.
A rainha Belez tinha na feiticeira Mei uma grande amiga e confidente. Todos os dias, logo ao entardecer, enviava mensageiros ao templo convidando a amiga a se fazer presente ao seu lado, quando conversavam longamente passeando pelos jardins, nos solares do castelo ou mesmo nos aposentos reais. Praticamente toda a vida pessoal da rainha e até coisas da intimidade do casal a feiticeira ficava sabendo, vez que sempre solicitada a dar opiniões sobre tudo.
Desse convívio íntimo com a rainha, é que a feiticeira Mei tinha conhecimento do imenso amor de Belez por seu esposo, o rei Lind, cuja paixão era tamanha que esta sempre confidenciava que não conseguiria viver se algum dia o seu amado lhe faltasse e que não saberia mesmo o que fazer se ao menos uma vez sonhasse com o esposo nos braços de outra mulher. Aceitaria tudo, menos a traição do rei, até mesmo porque nunca lhe negara nada dos prazeres do corpo, era jovem e até incontida nas relações amorosas. Era o que dizia em segredo à amiga feiticeira.
Contudo, nem imaginava a rainha que a feiticeira sentia um amor maior ainda por seu esposo, nutrido diuturnamente no sofrimento dos que perdidamente amam e sabem que não têm a menor chance de serem correspondidos. Mei, pode-se afirmar com absoluta certeza, era a paixão em pessoa, vendo consumida por dentro suas forças e ameaçada pela desilusão e sofrimento sua beleza física.
Todos os dias implorava à poderosa Intri para lhe tirar daquele suplício, para afastar dos seus pensamentos aquele homem impossível de amar. Era fiel aos seus soberanos, amiga da rainha, confiada por todos e reconhecida pela forças sobrenaturais que possuía, e por isso mesmo jamais poderia trair os sentimentos dos outros, mesmo que aos poucos vivesse morrendo por dentro.
Esse amor demasiadamente existente, que tornava Mei atordoada todas as vezes que encontrava com o seu soberano, no reino e no coração, fazia com que temesse ser algum dia traída pelas vozes silenciosas do castelo, fazendo chegar aos ouvidos da rainha que sua melhor amiga vivia completamente apaixonada por seu esposo. Preferia a morte, preferia deixar de existir em nome da lealdade, da fidelidade no seu comportamento. Intimamente não, pois já se reconhecera há muito infiel, e tudo procurava fazer para resolver esse problema.
De tanto amar escondido, de tanto implorar à poderosa Intri para afastar seus pensamentos da imagem do rei Lind, passou a ocorrer o contrário do que a bela Mei jamais quis ou esperou que acontecesse. Eis que a força do amor que já estava espalhada pelo templo começou a se expandir e alcançou as dependências do palácio, principalmente o coração do soberano.
De repente, o rei Lind passou a olhar Mei com outros olhos, a perceber nela uma beleza infinita e a se admirar porque não tinha se dado conta daquela meiguice na feiticeira, sua súdita. Como súdita, bastaria tencionar para com ela o que quisesse e não poderia jamais obter uma resposta negativa. Verdade é que se viu completamente apaixonado, encantado com a misteriosa mulher. Não sabia ele, porém, dos sentimentos aflorados na sua súdita da magia.
Com o coração totalmente tomado pelo amor, o rei, aos poucos, foi modificando seu tratamento para com a esposa. Tornou-se frio, distante, parecendo que os seus pensamentos estavam sempre em outro lugar. Numa noite enquanto dormia chegou a pronunciar baixinho o nome de Mei. A esposa ouviu, mas não entendeu bem a pronúncia. Pensou que ele havia dito "Rei". Mesmo assim, a partir dessa noite cismou que descobriria tudo o que estivesse por trás daquele inocente dizer.
Ao entardecer do outro dia mandou chamar a feiticeira até os seus aposentos e relatou-lhe tudo, dando-lhe depois a incumbência de descobrir a verdade sobre aquele fato. A feiticeira, contudo, quase não ouvia o que sua rainha e amiga dizia, pois já sabia do que se tratava, e se amaldiçoava por aquilo estar ocorrendo. Saiu de lá mais lívida do que a pluma ao vento, e como tal tão leve e fora de si que poderia sumir sem ninguém perceber. E sua vontade era essa mesmo, sumir, morrer, pois aquela situação de amor havia chegado num extremo onde jamais poderia ter imaginado.
O que dizer à minha rainha? Dizer que sempre amei o esposo dela e que esse amor parece ter se transformado em magia que saiu do meu controle e alcançou o coração dele? O que dizer, então, da minha traição, da minha mais vil traição, que me fazendo de poderosa não consegui afastar do coração uma atração que parecia passageira? No templo, implorando perdão a todos os deuses da magia, se penitenciou e chorou até ouvir a voz de sua mestra Intri: "Não haverá mais espaço para duas no coração do rei. Decida".
Ao anoitecer daquele mesmo dia, completamente apaixonado e decidido a se entregar aos braços da feiticeira e possuí-la com todas as forças do amor, o rei Lind se dirigiu às escondidas até o templo e, pé ante pé, foi furtivamente adentrando pelos corredores iluminados de velas e com incensos exalando por todos os lados. Empurrou a porta do salão da magia e logo percebeu toda linda, nua, com as curvas do corpo mais chamativas ainda pelas luzes de velas que incidiam sobre ele. Mei estava deitada, nua, linda, porém morta.
Decidiu que seria melhor assim.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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