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quarta-feira, 9 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 10

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 10

Rangel Alves da Costa*


Para Lucas, aquele desmaio anunciado do sacerdote só poderia ter uma explicação: as palavras do próprio Lucas, que haviam confrontado os preceitos ultrapassados do homem da igreja. Quando o velho homem da igreja poderia esperar aquilo que estava ouvindo naqueles cafundós de mundo e saindo da boca de um jovem que deveria reverenciar em tudo as ditas verdades propaladas? Só poderia ser isso, pois o homem estava bonzinho há poucos instantes atrás e bastou ouvir algumas verdades para que amolecesse o vigor físico. Ainda bem que a indisposição não durou mais que dois minutos, bastando estar cientificado de que o rapaz havia calado.
"Mas o que foi meu bom homem, o que aconteceu para que parecesse acometido de um problema mais grave?", perguntou Lucas, após providenciar um gole de água para o sacerdote. "Desculpe meu jovem, deve ter sido apenas um probleminha de pressão nesse velho coração sempre dedicado à igreja. Mas já estou bem, já estou me sentido revigorado novamente. Mas continue falando meu rapaz, continue. Você dizia mesmo que a juventude precisa ser protegida contra as más influências do novo, não foi isso mesmo?", disse o homem da igreja, ajeitando-se na poltrona.
Só pode está maluco, pensou Lucas, porém em seguida percebeu que aquilo era uma estratégia para que não continuasse falando sobre como deve ser a verdadeira igreja e como cada indivíduo deve tê-la em seu coração. O homem estava fugindo da verdade como o coisa ruim foge da cruz. Mas tinha que continuar, não podia deixar escapar aquela oportunidade de falar o que vinha guardado dentro de si há algum tempo, esperando somente um momento tão propício igual aquele, principalmente para dizer as palavras certas à pessoa certa para ouvi-las. Mas resolveu que seria breve, que não demoraria mais que um ou dois minutos.
- Acho que está um pouco equivocado meu senhor, pois não era bem sobre juventude que eu estava falando, mas sim da sua igreja e da minha igreja, a igreja que o senhor prega existir e a igreja que eu sinto existir, que eu vivo por ser uma igreja viva – E viu que o padre já estava pronto para desmaiar novamente, e mesmo assim continuou:
- Já que o senhor vai tomar a frente da igreja dessa localidade, seria o momento oportuno, a sua grande chance de transformar a igreja envelhecida e doente na qual está assentado por uma igreja realista e que reflita a realidade dos fiéis e que, ao invés de se preocupar com bens materiais, paramentos e rituais desnecessários, procure sentir as necessidades da população carente, estar presente nos locais sofridos e miseráveis, ouvir os pobres no seu próprio leito de sofrimento, procurar diminuir a angústia e a deseperança de todos através de ações e não somente com palavras bonitas em cima de um púlpito ou nos recantos suntuosos do próprio templo. A igreja de hoje requer ação e só continuará sendo respeitada se os seus sacerdotes respeitarem também as pessoas e procurem viver os anseios e sofrimentos dessas pessoas...
Sentindo que o rapaz já estava diminuindo seus ataques, não estava mais batendo tão de frente com o seu pensamento, o padre resolveu interceder e pediu licença para interrompê-lo por um instante, vez que precisava fazer algumas breves considerações. E falou:
- Talvez você tenha razão, muitas vezes pregamos uma igreja e vivemos outra igreja, sem nos atermos a ela como uma extensão da palavra divina, e como tal devendo procurar viver muito mais próxima do seu povo, do seu rebanho. Ademais, muitas vezes queremos apenas confirmar a existência da fé do povo sem procurarmos aumentar essa fé. E tal fé, tal religiosidade, só pode ser manifestada em toda a sua amplitude se ouvirmos o Deus que está muitas vezes escondido em cada um. Certamente que uma igreja que aja assim será uma igreja diferente, renovada nas suas ações, mas, e sinto muito dizer, muitas vezes inviável, impraticável por três aspectos principais: o conservadorismo da igreja, o distanciamento entre os ensinamentos e a realidade e, principalmente, a falta de senso de povo, de ser pessoa igual às outras que falta na maioria dos padres. Sou sacerdote e vejo tais aspectos ainda muito presentes, infelizmente. O que você acha? – Depois de dar suas explicações, Padre Josefo quis saber a opinião de Lucas sobre o que havia dito. E este respondeu:
- Acho um grande avanço, principalmente de sua parte em reconhecer a existência desses podres na igreja, sem falar de muitos outros que não nos convém discutir agora, mas que a imprensa noticia todo santo dia. É uma verdadeira vergonha. Mas voltando ao assunto, digo que o senhor pode começar desde já a praticar o que disse, ou seja, reconhecer o que a igreja não é e trabalhar perante aquilo que ela deve ser. E isso é muito fácil, basta que sinta o templo que vai assumir como se fosse uma casa carente da família mais empobrecida da região.
- Não estou entendendo bem. Como deverei fazer isso? – Perguntou o padre.
- Essa é sua missão descobrir. A minha é cuidar da minha igreja, do meu próprio coração, da minha imensa fé no que tenho fé – Respondeu Lucas.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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