SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 6 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 7

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 7

Rangel Alves da Costa*


A lua parecia descer com seu cavaleiro e chamar Lucas para subir na garupa e galopar pelo espaço escurecido, por entre as estrelas, réstias e outros mistérios. Não seria naquele instante, pensou, mesmo que o tempo de viajar sem destino estivesse tão próximo.
Ali em pé, com a cabeça levemente erguida para o alto, dialogando com a noite e seus enigmas, era como estivesse se preparando para encontrar meios de obter respostas todas as vezes que estivesse sozinho. A noite procurava ensinar a partir do que ele próprio imagina existir. Daí chegar à sua mente tantas coisas, tantas ideias, situações e fatos. Ora, era preciso ouvir a noite para aprender encontrar a luz na escuridão.
De tão absorvido que estava com aqueles mistérios todos, da noite, da lua, estrelas e seu bom amigo Jorge, nem percebeu que lá por cima as coisas começavam a mudar, que a noite ia ficando mais escura ainda porque a lua e as estrelas estavam sendo encobertas por nuvens carregadas, tomadas de vontade de chorar, de fazer chover. E então começaram a cair os primeiros pingos com ele ainda ali de cabeça erguida, como se nem sentisse o pulsar dos sinais de um verdadeiro temporal.
Desceu o monte apressado, quis correr, olhou para ver se encontrava algum lugar para se proteger, mas nada. Tudo parecia mais vazio ainda com a chuva que caía. Não tinha o que fazer, abriu os abraços e deixou que a ventania lhe soprasse e os pingos caíssem e se derramassem pela sua roupa e seu corpo. Banho de chuva é bom, já ouviu dizer, pois lava o espírito e permite como nunca um contato direto com a natureza. Feito menino, rodopiou de abraços abertos no meio da noite, no meio do temporal. Se fosse possível enxergaria um anjo molhado ao seu lado, suspenso no ar parecendo tecido no varal.
Quando se sentiu satisfeito com o banho, fez o caminho de volta por entre poças e armadilhas criadas pelas águas que rolavam e derrubavam plantas e cercas, e com um pequeno esforço conseguiu alcançar sua moradia. Mesmo antes de chegar à casa, avistou a luz da sala da frente acesa. Não era para estar assim, pois lembra muito bem que havia deixado tudo apagado. Estranho, pensou.
Quem poderia estar lá dentro àquela hora estava em outro lugar, bem distante, que era sua irmã. Como a chuva não diminuía de intensidade e até pensava num resfriado como consequencia daquela exposição toda, nem parou para pensar e foi logo em direção à porta de entrada. Lembrava também que a havia deixado aberta, apenas encostada. Fazia isso por não imaginar que pessoas da localidade entrando ali para subtrair qualquer coisa. Levar o que dali, a não ser móveis antigos, pequenos objetos e livros?
Assim que abriu a porta encontrou um homem assustado, que acabava de dar um pulo do sofá assim que viu que o dono da casa estava chegando. "Calma meu rapaz, muita calma, por favor. Não é nada disso que você pode estar pensando não. Sou uma pessoa de bem, um homem de Deus, e que só está aqui nestas condições por um mero acaso, como consequencia dessa natureza tempestuosa. Tentei bater à porta, mas assim que dei o primeiro toque ela abriu sozinha e é por isso que me dei o direito de me proteger na chuva aqui, bem na sua sala, com todas as desculpas que eu possa dar. Aceite-as, por favor. Mas deixe me apresentar...". Tais foram as palavras do estranho encontrado por Lucas.
- Não há de ser nada, não há de ser nada – Disse Lucas, tendo uma reação muito mais calma do que ele mesmo esperaria numa situação como tal. E continuou a falar -. Pareço um pinto molhado por causa dessa chuva toda, mas fui eu mesmo quem quis assim. Verdade, com essa chuva toda qualquer porta que seja encontrada aberta será sempre bem vinda. Mas pelo jeito não o conheço bem, até garanto que nunca o vi por aqui, portanto parece-me um estranho. Poderia dizer quem é, por favor?
- Ah!, sim, sim, mil desculpas por eu não ter me apresentado antes. Quando disse que era um homem de Deus não menti, como todos nós devemos ser, mas no meu caso estou mais a serviço de Deus. Meu nome é Josefo, Pietro Josefo, e sou padre. Na verdade, estou aqui em missão de reconhecimento à minha futura paróquia, aos meus fiéis, pois logo assumirei os serviços da igreja desse município. Agora, se me permite vou sentar um pouco para contar como acabei parando aqui nesse local, na sua casa, nesse abençoado lugar, como posso lhe garantir que é. Como eu ia dizendo...


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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