ALEGRIA É MENTIRA, TRISTEZA TAMBÉM
Rangel Alves da Costa*
Já disse um amigo meu que feições de alegria ou tristeza nas pessoas são iguais a produtos cultivados com agrotóxicos: a aparência nunca diz o que está por dentro. Tudo é bonito por fora. E tenho que dar razão a esse amigo, mesmo que ache que ele aparenta ser meio maluco. E dou mais razão ainda porque outro dia ele arranjou essa pérola: O sorriso é a tristeza reciclada e a tristeza é o sorriso que foi para o lixo.
Observando bem - calmamente para que a razão não se apaixone e torne meras ilações em teses difíceis de serem sustentadas -, nunca houve o que as pessoas chamam de alegria e muito menos o que dizem ser tristeza. Ora, o primeiro indício de que isso pode ser verdade está na própria bíblia: "Mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não consigo fazê-lo. Pois não faço o bem que quero, mas justamente o mal que não quero fazer é que eu faço. Mas, se faço o que não quero, já não sou eu quem faz isso, mas o pecado que vive em mim é que faz" (Rm 7,14-25). Ou ainda: "e apliquei o meu espírito ao discernimento da sabedoria, da loucura e da tolice. Mas cheguei à conclusão de que isso é também vento que passa. Porque no acúmulo de sabedoria, acumula-se tristeza, e que aumenta a ciência, aumenta a dor" (Ecl 1,18-19).
Se tudo passa, tudo é frágil, fútil, inconsistente, não há, pois, que se falar em verdadeira alegria ou verdadeira tristeza. Muitos rostos sorridentes que se espalham por aí não passam de feições teatrais, de caracterizações em personagens que, tal qual o palhaço que esconde a dor para mostrar alegria, vivem fingindo aquilo que realmente não sentem, não se exprime na verdade, vez que o semblante nada mais é do que uma cortina que esconde por trás as angústias, as dores, os medos, as frustrações. Assim, quando cada momento do show vai terminando, aos poucos começam a aparecer em cena os lados verdadeiros da feição. E a lágrima que sempre acompanha tudo isso nunca é expressão de intensa alegria, mas de tristeza mesmo.
E a tristeza que busca fazer com que os outros se apiedem, confortem e ofereçam um braço amigo e outras partes do corpo, é talvez muito mais dissimulada do que todos os outros sentimentos que possam existir numa pessoa. Se os olhos não confirmarem com o seu meio próprio para tal, que é quando parecem que estão mais profundos e distantes, pode ter certeza que a tristeza demonstrada não passa de falsidade.
Ora, as crianças usam do artifício da tristeza e do beicinho sempre que desejam ser atendidas nos seus desejos mais descabidos; a mulher fica pelos cantos com aquela cara de quem não está pra muita conversa, mas só até o instante que o marido pergunte por que está tão triste e prometa comprar aquela joia caríssima; os namorados fazem o mesmo, os falsos mendigos também; o padre pedófilo tem cara de triste, e o assassino confesso também. Acreditar em quem, então?
Somente uma coisa no ser humano poderia comprovar a todo instante se a pessoa está realmente alegre ou triste, que é o coração. No coração de cada um está o reflexo dos sentimentos, desejos, verdades e mentiras. A expressão do semblante não é nada, a carinha feia ou bonitinha não é nada, o tom de voz e o jeito de falar com o outro não são nada. Tudo é nada porque tudo isso é fruto de um comando da mente humana, de um impulso consciente e manejado para fazer assim ou assado. Por isso mesmo é que todo o aspecto comportamental que está sendo demonstrado pode estar indo de encontro ao coração.
No ser humano, somente o coração é verdadeiro, somente ele tem o poder de expressar a verdade contida em cada um, mesmo que o restante do corpo queira negar seu verdadeiro sentimento.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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