OUTRO NOME PARA O AMOR
Rangel Alves da Costa*
Um dia, estudiosos renomados, filósofos e outros doutores do imaginário, certamente por não terem o que fazer de mais proveitoso, resolveram modificar o nome do amor, buscar outra palavra que tivesse o poder de sintetizar em si todas as nuances desse termo que ninguém mais sabe como usar, o seu real significado, nem para o que serve.
Assim, o primeiro ato que fizeram foi lançar um manifesto pela necessidade da construção de outro termo que substituísse a palavra amor. Começava assim o tal documento:
"O substantivo masculino amor, etimologicamente oriundo do grego amor, por haver perdido sua força expressiva ao longo dos anos, e por não traduzir um significado imediato na sua pronúncia, e ainda por não mais alcançar seus objetivos enquanto palavra, deverá ser modificado, substituído por outra palavra que não seja mentirosa aos lábios, não seja pronunciada a qualquer preço e nem seja confundida como paixão ao coração. Assim, termos que comumente servem como designativos de amor, tais como afeição, querer, compaixão, misericórdia, inclinação, atração, sexo, transa, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, libido, amizade, simpatia, gostar e apreciar, dentre tantas outros, não mais deverão ser utilizados com tal intento, e muito menos a própria palavra amor, que doravante deverá ser abolida da gramática e da vida das pessoas. Em seu lugar deverá surgir outro termo que diga tudo em si só e que não se preste a falsidades na sua pronúncia".
Eis a parte introdutória do manifesto, que em mais de duzentas páginas não citou nem uma vez mais sequer a palavra amor. Quando a ele queria se referir usava expressões como "aquele que outrora uniu pessoas", "aquele que foi sinônimo de respeito e união", "aquele que já foi o mais puro dos gestos", "aquele que um dia encantou corações", "aquele que se perdeu na promiscuidade", "aquilo que só serve para enganar os corações", "aquilo que é fácil de dizer e não de sentir", "aquele que em seu nome já removeu montanhas e fez reviver o condenado à solidão".
Contudo, um pequeno problema começou a surgir quando nem mesmo os estudiosos reunidos em convenção conseguiram chegar a um acordo sobre a palavra que substituiria o termo amor. Na verdade, nenhum dos velhos sábios apresentou uma nova palavra sequer para ser analisada e discutida. Disseram apenas que caberia ao povo decidir, e não eles, cuja incumbência seria apenas de verificar a sua validade ou não.
Então lançaram um concurso mundial e aquele que conseguisse criar uma palavra que substituísse satisfatoriamente o termo amor ganharia um fim de semana no Monte Olimpo, moradia dos deuses, onde teria a incumbência de explicar - e talvez consolar – a Eros porque ele não era mais o deus do amor. Se ele quisesse continuaria sendo o deus de outra coisa, menos do amor, pois o amor não existia mais.
Muitas foram as palavras inscritas e dentre aquelas que foram classificadas para a disputa final estavam: "incora" (o que está dentro do coração), "nulis" (o que não existe), "safo" (de safadeza), "tomélico" (numa alusão a São Tomé, ver para crer), "recicle" (usa e joga fora) e "spc" (sentimento profundo do coração). Muitos outros termos chegaram à final, fato que demandou muito trabalho de análise para os velhos sábios.
Ao final, infelizmente concluíram que nenhuma daquelas palavras satisfazia os propósitos da substituição. Assim, decidiram que em até dez anos eles mesmos teriam que encontrar outro termo que substituísse a palavra amor. E já se passaram mais de cem anos. E é por isso que não existe mais nem o amor nem outro sentimento que o substitua.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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