TARDEZINHA, QUASE NOITE...
Rangel Alves da Costa*
Com a maioria das pessoas é assim: dormiu bem, teve bons sonhos, amanheceu feliz, cumpriu seu destino no dia como deve ser, enfim, nada que reclamar da vida, até que chega à tardinha, quase anoitecer, quando tudo começa a desandar em tudo que não responda por conta própria: alma, espírito, coração e mente.
Inegavelmente que todos os momentos do dia têm os seus encantos próprios, contudo quando o sol vai perdendo força, brilho e queimor, quando ele desaba para o lado oeste para se despedir e por trás das nuvens surge um amarelo-avermelhado de fogo crepitando, é que começam a surgir os mistérios crepusculares e as cabeças parecem abandonar os corpos e seguirem nos momentos mágicos e doloridos que virão.
Nessas horas do dia, os passos parecem já ter destino certo, e não adianta querer inventar outros caminhos. Está na mente, está na alma, está em tudo que deseja seguir para o descampado ver o entardecer, para a janela mirando aquele horizonte entristecido, para a praça, para a rua, para o terraço, para o quintal, para qualquer fresta onde se possa enxergar a tristeza. É isso mesmo, enxergar a tristeza, pois automaticamente os sentidos avisam que já é tardezinha, quase anoitecer, e que já é tempo de sofrer.
Nessas tardezinhas, quase noite, quem tem sorte sofre mais bonito, mais romântico e poético. Dizem que o entardecer numa praia é encantador, a tristeza que ele traz também; quando o último vermelho do sol parece que vai mergulhando nas águas ou se avista uma embarcação que vem bem longe porque é também de retornar, os olhos não sabem mais divisar aquelas cenas e mergulham também no mesmo leito agitado. E o vento que sopra nos coqueirais avisa que a noite já vem, e por certo virão também os vendavais trazendo outras e tantas recordações.
Os motivos que fazem do entardecer quase noite instantes que permitem aflorar tantos mistérios na alma talvez que continuem inexplicáveis. Os próprios indivíduos não sabem explicar as mudanças que ocorrem. Talvez seja a cor indecisa, entre a luz e a sombra, que chama as saudades adormecidas; talvez seja o vento soprando de um modo diferente, mais ligeiro, trazendo consigo tantas recordações; talvez sejam os pássaros que voam para se recolher aos seus ninhos e transmitem a impressão de que a vida é também recolhimento; talvez sejam as nuvens cinzentas que anunciam as tempestades; talvez seja o voo solitário da gaivota, e talvez seja essa solidão.
Assim, sejam na janela, em cima da montanha, na praia ou em qualquer descampado, esses instantes mágicos da tardezinha quase anoitecer sempre produzem as sensações de angústia, de tristeza, de desilusão, de abandono, de solidão, de vontade de correr e sumir, de voar e partir, de reencontrar algo que parece muito distante ou perdido. E como consequencia chegarão as lágrimas, as tantas incertezas, os medos, os desesperos, os gestos desesperados, os gritos. Noutros chegam apenas o silêncio, o cálice e o gole.
Pessoas existem que simplesmente procuram fugir desses instantes do dia. Assim que a tarde começa a avançar se trancam nos seus quartos e tomam remédios para adormecer. Imaginam que ao acordar não haverá mais perigo de ter de enfrentar os mistérios das horas da aflição. Assim, medrosos com a própria realidade, se enfiam nos lençóis e começam a ter pesadelos em pleno dia. E tudo vem redobrado nas dores, nas angústias e aflições.
Quando levantam já é noite. E quando olham pra cima há uma lua imensa pedindo que lembre de alguém.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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