SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 12 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 13

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 13

Rangel Alves da Costa*


Que rumo dar à vida quando já se tem uma estrada? Lucas se perguntava mesmo sabendo que já tinha todas as respostas. Não tinha dúvidas que já tinha uma estrada, vereda em construção, mas estrada, por onde seguia nos seus propósitos de vida. A indagação maior que surgia era saber se até quando se sentiria realizado naquele cotidiano de ensinar e estar fazendo coisas mínimas, quando bem poderia arriscar mais, fazer mais, abrir caminhos mais seguros.
Na sala de casa, ora sentado ora andando de um lado para o outro, passando o olho pela noite de vez em quando, segurando a bíblia na mão, imaginando um montão de coisas. Talvez encontrasse uma namorada bonita e inteligente e casasse logo, mas mulher bela e ao mesmo tempo meiga, dedicada e compreensiva era difícil por aquelas bandas. Namorar por namorar perdia o encanto, perdia a vontade de lutar para construir o amor.
Que bom se encontrasse uma que ao menos entendesse o significado de palavras simples como vida, fé, luta e construção; que bom se encontrasse uma que além de mulher fosse companheira e amiga; que bom se encontrasse uma que visse na luta, no sacrifício, em todo esforço cotidiano a pedra que se vai juntado para se construir fortalezas que protejam contra os muitos inimigos. Seria até demais esperar que encontrasse uma com a firmeza e seriedade de sua mãe e a doçura e bondade de sua irmã. Seria uma família refletindo na própria família, alicerçando a felicidade.
Talvez aproveitasse a casa agora praticamente vazia e desse outra destinação a ela, encontrando um modo de conseguir livros para organizar ali uma biblioteca e ir atrás de apoio para construir um galpão ao lado, que serviria para dar aulas, fazer reuniões e colocar à disposição dos interessados em desenvolver atividades culturais e recreativas. Seria bom se alguns cursos pudessem ser ministrados ali, tais como de artesanato, de escultura em barro em barro e madeira, de tricô, crochê e renda de bilros.
Eram muitas ideias, muitos pensamentos bons, muitos sonhos talvez. Mas sonhos enquanto não desse o primeiro passo, não tomasse a primeira iniciativa, não colocasse a primeira pedra, o primeiro saco de cimento, o primeiro carregamento de areia e o primeiro milheiro de tijolos para erguer o salão que pretendia. Não seria nem um salão fechado em quatro paredes, bastando ser simplesmente um galpão coberto e com as instalações adequadas para os objetivos de utilização. E Lucas pensando tudo isso ali, na pequena sala de sua casa, na noite já sonolenta, no tempo coberto de chuva.
Talvez a construção desse galpão fosse a sua grande realização na vida. Não pela obra física em si, pela estrutura que seria erguida, mas pela sua destinação. E Lucas ficava com água nos olhos só em pensar nos adultos, velhos e jovens que viriam até ali para tentar aprender a ler e escrever, para estudar e fazer lições, para conhecer a história, para tomar conhecimento do mundo, para aprenderem a ter conscientização, formar consciência crítica, saber dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos, conhecer os vastos limites do exercício da cidadania, saber que o mundo é muito mais, muito maior do que aquilo que vivem ali.
Ora, as pessoas precisam conhecer a história do seu lugar, do que foi nos tempos antigos, como foi formado, quem primeiro chegou por ali, as muitas lutas que foram travadas, como foi ocorrendo o crescimento do lugar, quais as pessoas que mais se destacaram na defesa dos seus interesses, quais os primeiros e os demais governantes, o que fizeram, o que poderiam ter feito em prol do desenvolvimento. Ora, é inconcebível que pessoas nasçam e morram e não conheçam nada do seu lugar, sua história e seu povo. Se não houver uma iniciativa de resgate de todos estes aspectos, mais tarde será muito tarde para cobrar daquele povo que saiba quem realmente é. Lucas sempre desejou comprar para si essa boa luta, e agora tudo estava bem vivo em sua mente. Mas como conseguiria tornar tudo isso possível?
Decidiu então, naquela noite chuvosa, que daria tudo de si para levar adiante essa junção de ideias que lhe povoavam a mente como um grito que precisa ser gritado para ser ouvido. Assim, abriu a bíblia e viu que estava em Lucas 2, 29-35:
"Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação que preparastes diante de todos os povos, como luz para iluminar as nações, e para a glória de vosso povo de Israel. Seu pai e sua mãe estavam admirados das coisas que dele se diziam. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações".
Jurou sobre ela que tais sonhos jamais morreriam. O anjo que estava por ali gostaria que também fosse assim, mas eis que a vida possui muitos caminhos e surpresas.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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