SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 7 de junho de 2010

PEQUENINA FLOR, MEU AMOR... (Crônica)

PEQUENINA FLOR, MEU AMOR...

Rangel Alves da Costa*


Quase não tinha casa, quase não tinha porta nem janela, quase não tinha manhã, quase não tinha sol. Ele era pobre, e quase não tinha roupa, quase não tinha alimento, quase não tinha moeda, quase não tinha sequer um desejo a mais. Ele era João ou Antonio, e quase não tinha sobrenome, quase não tinha família, quase não tinha amigos, quase não tinha nada. Ah! Ia esquecendo: ele tinha alegria, esperança, prazer em viver, tinha muita fé em Deus e tinha uma igreja no seu coração. E tinha um sonho naquela manhã: olhar a flor mais linda do mundo que se parecesse com o seu amor de um dia. Mas não tinha amor e nem tinha jardim. Quem dera ter ao menos a flor para inventar um amor...
Todos os dias, logo cedinho, assim que começava o seu itinerário pela vida, passava por um jardim bonito que tinha na vizinhança e ficava alguns instantes por trás das grades observando aquela festa de cores e perfumes aos seus olhos. Não sentia nenhum aroma específico, mas era como se estivesse cheirando a rosa, o jasmim, a camélia, a estrela d'alva, o lírio. A velha senhora dona do jardim bem que poderia permitir que o jardineiro lhe deixasse entrar ali para passear um pouco pelos canteiros, tocar e acariciar as plantas, sentir de perto os perfumes, conversar um pouquinho com elas.
Gostava de falar com as plantas, e mesmo silenciosamente tinha a certeza que elas respondiam tudo que perguntava. Um dia perguntou como deveria fazer para arranjar uma namorada bem bonita, parecendo uma princesa, com olhos de mar, cabelos de vento e corpo de gaivota. Como gostaria de voar com ela... A isto a plantinha nunca respondeu, mas tinha certeza que qualquer dia ela lhe daria uma resposta. Depois era só arranjar uma flor bem cheirosa e deixar bem pertinho dela. Quando percebesse já era amor!
Numa manhã de primavera, ao passar pelo jardim se sentiu totalmente encantado e absorvido diante daquela profusão de cores alegres, sendo observadas e mimadas pela velha senhora que caminhava contente pelos canteiros. Naquela manhã estava sozinha, o jardineiro havia faltado. Com um pequeno cesto e uma tesoura na mão, colhendo as mais belas flores para enfeitar a casa, percebeu o menino por trás das grades observando o que se passava ali dentro.
Sabia que não era desconhecido, já conhecia aqueles olhos e aquela feição de outras manhãs. Não tinha medo dele; pelo contrário, achava sempre interessante que apreciasse tanto seu jardim. Naquela manhã agiu diferente, se aproximou dele e falou: Se prometer que não vai mexer em nada deixo você entrar um pouco. Promete? E num passo o menino já estava segurando o cesto da senhora, passeando por entre as plantas e flores. Quando ela pediu para que cortasse um galho de rosas e colocasse no cesto, ele pediu desculpas, mas disse que ele mesmo não se sentia bem em fazer aquilo com uma flor tão bela. "Daqui a dois dias ela vai morrer, e se continuar aqui vai ter um tempo de vida muito maior". Foi o que completou.
"Tem razão meu rapaz, tem razão. Não queremos que cortem nossa alegria, nossos sonhos nem nossos anos. Queremos sempre ser flor no jardim, até que um dia chega um jardineiro cruel e nos leva para um vaso triste. Bom pensamento esse seu em deixar que as flores tenham seu curso de vida no lugar onde nasceram. Assim também queremos com a vida da gente. Tem razão meu rapaz, tem razão".
E ao menino foi dada permissão para entrar no jardim todas as manhãs, quando ficava proseando com a senhora a filosofia das flores, como é permitido chamar conversas sobre pétalas e perfumes. E um dia ela estava acompanhada de uma mocinha linda, sua neta, parecendo mesmo que fazia parte do jardim, na beleza de flor que tinha. Ele quase não olhou pra ela, com vergonha, mas invadido por uma chama indescritível. Ela olhou muito pra ele e perguntou o seu nome. "Meu nome é José, mas me chamam de Zequinha". "Zequinha, você pode colher aquela florzinha ali pra mim?". E a sua avó interferiu: "Ele não gosta que arranquem as flores minha querida, nem aquela florzinha".
"É mesmo, principalmente quando você já é a flor mais bela que tem aqui", completou Zequinha. E ela sorriu pra ele, e ele se sentiu o jardineiro mais feliz do mundo.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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