SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 20 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 21

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 21

Rangel Alves da Costa*


Num misto de encantamento e surpresa pela pergunta do menino, o sacerdote estremeceu um pouco intimamente como na primeira missa que celebrou. Depois de tantos anos, agora se sentia meio sem saber o que expressar diante de tantas coisas a dizer. Dizer que sim, que estaria disposto a celebrar missa ali tantas vezes quanto fosse necessário seria muito fácil, o problema era explicar que a própria igreja impedia que fizesse isso, que fizesse de templo e púlpito qualquer lugar. Neste aspecto tinha vergonha de esclarecer, de deixar bem claro e compreensível para aquelas crianças, e até para ele mesmo e Lucas, o porquê de a igreja quis se diz do povo não poder ir até onde o povo está.
Pediu licença a Lucas para parar um pouco os afazeres, chamou as crianças para perto e convidou-as a passear por ali mesmo, dando voltas na natureza, no intuito de buscar as palavras possíveis para justificar até onde poderia atender o pedido do menino Paulinho. E iniciou buscando as melhores palavras:
- Vou contar uma historinha rápida que se passou há muitos e muitos anos atrás, quando os pais dos nossos pais não tinham nem nascido ainda. Certa vez um rei muito poderoso, dono de muitas terras e de muitos guerreiros, com sua sede de conquistar o mundo e ter todas as pessoas que existissem sob suas ordens, mandou que os seus soldados invadissem todas as terras e todas as casas daquelas famílias que não quisessem assinar um papel dizendo que tudo que possuíam entregavam ao rei. Aí os soldados foram tomando conta do mundo em nome do rei, até que um dia chegaram numa choupana onde morava um velho muito pobre. Assim que chegaram em frente ao cercado do velho e já iam abrir a cancela de madeira para entrar, o velho saiu de trás do couro que servia como porta, deu um passo adiante e disse para os milhares de guerreiros que estavam do lado de fora: "Respeito o seu rei, mas só podem entrar aqui com a autorização do dono deste lugar, de quem me deu esse pedaço de chão para morar. Portanto não se atrevam a colocar um só pé nesse chão que é sagrado". Foi quando o comandante dos guerreiros perguntou: "E quem é o verdadeiro dono dessas terras, que queremos forçá-lo agora mesmo a transferir tudo para o nosso grandioso rei?". "É um rei muito maior e poderoso que o vosso rei, a quem este teme e deve obediência". Ouvindo tais palavras do velho, o comandante disse que não iria perder tempo com um ancião maluco, não tocou em sua pessoa, em nada do que era seu e nem forçou a assinar nada. Resolveu apenas voltar com urgência e avisar ao rei que ouviu dizer que existia um rei mais poderoso do que ele e que precisava primeiro aniquilá-lo para depois prosseguir com seus planos de ser o dono do mundo. Chegando ao castelo e relatando o acontecido ao rei, este se virou para o comandante e disse: "Eu sei quem é esse rei e todos vocês também devem saber de quem se trata, pois é o Deus Senhor que esse povo acredita existir e ser o dono de tudo. Mas este eu não posso destruir, pois é indestrutível na sua essência. O muito que posso fazer é o que faço: tomando o que acreditam que pertence a ele, faço com que seus fiéis sintam que ele não tem mais força nem autoridade e que na terra existe um rei mais poderoso. Assim, vou diminuindo o poder divino e aumentando o meu poder. Mas isto não está acontecendo como eu esperava, bastando ver nas palavras desse velho. Deixai então como está que já sou poderoso demais – Concluiu o Padre Josefo.
No mesmo instante uma das meninas perguntou:
- Afinal de contas, qual foi a lição final dessa história?
- Ela quis dizer que mesmo os que se acham poderosos demais reconhecem e se curvam diante do poder de Deus, que é realmente, como disse o velho da história, o dono de tudo... – Procurou explicar o sacerdote.
- Disso sabemos, mas o que é que tem a ver o poder de Deus com o senhor estar disposto, ou não, a vim celebrar missa aqui no nosso barracão? – Indagou outra menina.
- Minha menina, é que a importância de Deus é grande demais e sua palavra e os seus ensinamentos só podem ser ditos em determinados locais, lugares sagrados, onde o povo obedece mais ao que ouve. Por isso é a que a palavra de Deus deve ser dita na igreja, que é o local apropriado para tal... – Esforçava-se o mais que podia o Padre Josefo, temendo pelo que tinha realmente a dizer.
- Quer dizer então que não pode vim celebrar missa aqui porque aqui não é igreja, não é mesmo. E se a gente colocar uma mesinha e uma imagem de Cristo ao fundo não ficará a mesma coisa de uma igreja. E se o povo que estiver aqui assistindo a missa for mais religioso e mais fiel dos que o que vão para a igreja? – Perguntou Paulinho com insistência e fervor.
O padre estava se sentindo totalmente acuado, e respondeu:
- É que meus superiores podem não gostar. Para eles a igreja é o templo e está acabado, e se quiserem os fiéis têm que ir até lá. É isso. Mas vou quebrar essa regra a pedido de vocês. Que eles lá em cima, da diocese até Roma não saibam disso...
- É melhor assim, senão quem vai celebrar a missa vai ser Lucas – Disse um dos meninos, para espanto do padre, que achava já ter resolvido a questão.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: