SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 30 de junho de 2010

COISAS DA LUA (Crônica)

COISAS DA LUA

Rangel Alves da Costa*


Já está mais que provado, cantado e decantado, que a lua sempre foi alcoviteira, feiticeira, traiçoeira, musa inspiradora, negligente e omissa. Para não dizer muito mais, como, por exemplo, que ela se esconde propositadamente para que os amantes se refugiem melhor por trás dos muros e nas varandas, que ilude corações apaixonados com aquela luz de promessas, que se faz bem bonita e cheia de romantismo para que os corações apaixonados se desesperem e que tem um pacto constante com a noite para que um esconda o que a outra permite fazer.
Não é brincadeira essa lua, e quem quiser que dê vintém por ela. Não tem o que fazer, e só para ver a menina chorar e o rapaz sofrer, se acende todinha e bonita no mesmo lugar onde estão, mesmo numa distância que só se chega em pensamento. A menina fica na janela da cidadezinha sertaneja olhando pra cima e chorando ao ver a lua que está, naquele exato momento, fazendo o rapaz tomar todas com saudade lá adiante da capital. E sobre eles incide os mesmos raios e o mesmo cenário poético. Isso é covardia da lua.
Dentre as muitas artimanhas da lua, uma das coisas que ela mais gosta de fazer é exatamente passar a mão por cima do que está errado, encobrir as safadezas, fazer tudo para que os adúlteros se encontrem e fazer acontecer coisas verdadeiramente do outro mundo. Assim, no instante em que o amante se dirigia ao quintal da mulher casada ela desapareceu entre as nuvens, deixando tudo na escuridão, e só reapareceu quando a porta dos fundos estava sendo fechada. O padre Horácio chega a implorar para que a lua se esconda quando as beatas vão chegando de mansinho pelos fundos da sacristia. E ela atende.
Certa feita ocorreu um episódio que até hoje se comenta lá pelas bandas do sertão. Como é que uma lua cheia, toda bonita, parecendo que estava grávida de tanta luz, brilhando toda faceira no céu estrelado, limpinho, sem nenhuma nuvem, de repente desaparece sem que ninguém ficasse sabendo o que tinha acontecido? Ora, não era tempo de eclipse, o tempo não mudou de uma hora pra outra, tudo estava normal no céu, menos a lua que não estava ali, e por isso mesmo a escuridão de breu começou a tomar conta de tudo.
Apareceu de repente, do mesmo jeitinho que estava antes, somente uma hora depois, contadinho no relógio. E depois desse acontecido, na mesma noite, João das Tarrafas pegou um cabra encangado com sua mulher embaixo da goiabeira; Maria fugiu com o filho de Zé Timotéo; o padre Horácio recebeu a visita da viúva mais recente para consolar nos muros da igreja mesmo. E o pior: pouco tempo depois começaram a aparecer virgem buchuda, rapaz se rebolando e muita dona de casa implorando pra lua se esconder novamente.
É uma verdadeira safada essa lua, que para dar uma de uma de astro exemplar e protegido coloca às suas portas um cavaleiro com seu cavalo e lança e um dragão soltando fogo só para amedrontar. E mais safada ainda pelo que todos ficaram sabendo do que ela, mais uma vez, descaradamente, fez na noite passada. Só que se deu mal, pois dessa vez o feitiço se voltou contra a própria feiticeira.
Eis que a dita foi chegando após o por do sol já toda enfeitada, bonita e cheirosa que só, cheia de raios novos, colares e bijuterias, com um batom bem vermelho na boca e uma bolsa cheia de estrelas. Assim que chegou, esperou que a noite aparecesse completamente e chamou ela num canto para pedir para sair um pouquinho mais cedo, pois tinha um encontro muito especial com alguém também radiante. E a noite aceitou imediatamente em ajudar a comparsa. Então, lá pelas nove horas a lua pegou sua bolsa com as estrelas e saiu, deixando a noite sozinha tomando conta de tudo.
Mas a noite, que também é falsa que só, deixou só o breu onde estava e saiu apagando tudo por onde seguia, até encontrar a lua que voltava chorando com um restinho de brilho. "Mas o que foi bela lua, que estais em prantos?", perguntou a noite. "Nada não, é que só sirvo mesmo para ajudar nos amores dos outros. Imagine que Júpiter, aquele ingrato, quando me viu disse que eu estou velha e cheia demais, e só procure ele novamente quando eu estiver lua nova".




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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