SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 26 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 27

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 27

Rangel Alves da Costa*


Logo ao amanhecer, quando a chuvarada já havia se dissipado, mesmo que ainda continuasse caindo um chuvisco bem fraquinho, o Padre Josefo chegou todo esbaforido à casa de Lucas. Segundo ele, não houve jeito para o carro dar partida, mas como passou a noite inteira preocupado com a sorte do barracão diante da tempestade, resolveu caminhar para chegar até ali. Não demorou muito e parte dos meninos chegava em comitiva, cada um com o seu guarda-chuva, agora mais aliviados já que de longe perceberam que o barracão ainda estava em pé.
Enquanto os meninos entravam no barracão para ver se alguma coisa havia desabado por dentro, Lucas chamou o sacerdote para um canto e começou a falar sobre os fatos ocorridos naquela noite ao entrar pela porta que estava entreaberta:
- As portas, como todos sabem, não apresentam grande segurança e talvez eu tenha esquecido de fechar com cuidado, mas o fato é que, vindo aqui ontem quase duas horas da manhã verificar como andava a situação, encontrei uma delas entreaberta e assim que entrei percebi que alguns animais tinham entrado para se proteger da chuva e estavam espalhados por aí, deitados no chão. E com certeza nenhum desses animais forçaria abrir a porta, disso sei muito bem. O vento também, por mais que soprasse forte, não tinha como abri-la. Ou derrubava a frente toda ou nada, mas abrir exclusivamente a porta não, também sei disso. O problema maior, pode acreditar Padre Josefo, foi quando entrei e olhei ao fundo do barracão e encontrei uma luz em forma de gente, com os mesmos contornos de uma pessoa, logo após aquela mesinha, como se estivesse em pé atrás dela. E a luz, que já não era forte, foi enfraquecendo assim que comecei a mirar. Isso é que não estou entendendo bem. Assombração não seria, pois dizem que estes fenômenos não existem onde animais estão pacificamente descansando. Se fosse coisa do outro mundo, certamente que eles estariam agitados, andando de um lado para o outro, fazendo barulho. O que terá sido meu Deus? – Acabou indagando Lucas, após o longo relato.
E foi quando o padre, colocando a mão no seu ombro, começou a falar:
- Você disse-o bem, meu rapaz. O que terá sido meu Deus? Nesta indagação talvez esteja a resposta para toda dúvida. O que terá sido meu Deus? Pois acredite rapaz, você presenciou a luz do espírito divino e aquela luz que estava ali diante da mesinha e diante os animais pacificamente descansando era a presença de Deus, a presença do espírito divino iluminado. Que bom, que glória, que graça! Você, meu bom Lucas, também é uma pessoa iluminada. E talvez você não tenha visto diante da surpresa maior daquele luzir especial, mas outras luzes também deveriam estar por aqui, que eram as luzes dos muitos anjos alegres que estavam em festa com a presença divina. Mas eles ainda estão por aqui em todos os lugares, ao nosso lado e acima de nós, pois os anjos sempre nos acompanham e fazem guarda nos locais onde a presença de Deus é aceita de coração, como ocorre neste humilde barracão.
- E quais os propósitos de sua luz estar aqui, Padre Josefo? – Indagou Lucas.
- Infelizmente não podemos e nem sabemos dizer com palavras os propósitos de Deus, mas há uma série de fatores que podemos relacionar para tentar compreender. Em primeiro lugar, a porta não se abriu, foi aberta para que os animais entrassem; em segundo lugar, os animais que dormiam profundamente num lugar até então estranho para eles é sinal de que houve alguma intercessão para tal; em terceiro lugar, a sua chegada aqui naquela hora da madrugada não foi em vão, mas sim uma condução para que sentisse de perto que este local, esta pequena construção, e principalmente você, todos estão abençoados. Por último, outros propósitos existem que nem podemos supor e só o tempo poderá nos esclarecer e mostrar. Mas em tudo, Lucas, pode acreditar, você viveu realmente uma experiência divina e dificilmente pode se citar, em todo o resto do mundo, pessoas que viveram esta experiência. Por isso mesmo, meu filho, digo-lhe que ore e ore muito, agradecendo por tudo que teve a oportunidade de presenciar e pedindo que os reais propósitos divinos sejam os melhores possíveis – Respondeu o Padre Josefo, realmente encantado com o relato de Lucas e o desfecho daquela história.
À tarde os meninos voltaram para dar uma limpeza geral no barracão. Retornaram para suas casas já perto da noite escurecer. Assim que ficou sozinho novamente, Lucas se descobriu completamente cansado e com muito sono da noite passada mal-dormida, mesmo assim fez suas orações e sentou um pouco para ler, aleatoriamente, passagens da bíblia. Dormiu pesadamente ali mesmo na poltrona.
Com um sono tão pesado não pôde perceber os estranhos que chegaram tarde da noite para derrubar parte lateral do barracão, revirar bancos e a mesinha e deixar avisos por toda parte.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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