EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 17
Rangel Alves da Costa*
Enquanto a diretora se aconchegava nos braços do vigilante num desmaio cuidadoso para não comprometer os cabelos, Lucas já fazia seu caminho de volta, porém sem saber onde iria naquele momento. Nem pensou muito e decidiu ir até a igreja, local mais que apropriado para sentar naqueles velhos bancos de madeira e, tomado pelos encantamentos e mistérios divinos próprios dos templos religiosos, refletir sobre a vida, a fé e quem sabe conversar com algum anjo que descesse da abóbada e ficasse pairando ao seu redor. Quem dera ter abóbada naquela igreja ou anjos abaixo do telhado!
Gostava da igreja assim, para apreciar seus mistérios, observar as imagens sacras, sentir a presença daquilo que desejava acreditar, caminhar pelo altar, passar pelas estações representando os sofrimentos divinos, sentir os cheiros antigos de velas queimadas, encontrar momentos ideais de reflexão. Quanto maior o silêncio maior o poder de reflexão e de contato com o misteriosamente existente na igreja. Daí que não gostava de estar nela durante as missas e nem quando estava repleta de pessoas.
Não precisava de missas porque ele mesmo celebrava seus ofícios divinos na igreja do seu coração; não precisava daquela fé como que forçadamente incutida se a tinha o bastante na sua crença. Assim, via a igreja, enquanto estrutura física, apenas como uma chave para permitir que aqueles que acreditam entrem e busquem outras portas que os levem em direção ao Deus que queiram encontrar.
Nem bem entrou e sentou e avistou o sacerdote nas proximidades da sacristia. Precisava saber como havia passado a noite depois daquele imprevisto e avisar sobre a bíblia esquecida na poltrona de sua casa. Neste sentido se dirigiu até lá, sem que o padre percebesse a sua presença. Ao se aproximar mais, chamando pelo nome do padre, Josefo levantou a cabeça e veio ao seu encontro.
- Como vão, você e sua igreja viva, meu bom rapaz. É uma honra tê-lo logo cedinho aqui na minha igreja, se bem que ainda nem tomei posse na direção paroquial, o que certamente se dará na próxima missa, que pretendo realizar neste fim de semana, no domingo pela manhã. Por enquanto, assim que levantei meio assustado pela nova moradia, o que venho fazendo é procurar tomar conhecimento do que se passa aqui, como é a igreja e onde poderei fazer modificações para ficar mais aconchegante aos fiéis. Mas até o momento só consegui mesmo perceber que já há algum tempo que não vinham pagando nem as contas de água nem de energia, bem como, logicamente, que não encontrei ainda nenhum livro que fale sobre as despesas e o quanto pode existir de saldo, o que acho improvável. Mas faça o favor de sentar rapaz, me fale como passou de ontem à noite até o momento – Foi o que disse o Padre Josefo nesse reencontro que parecia ser muito do seu agrado.
Após sentarem, Lucas começou a falar:
- Em primeiro lugar, tenho a dizer que viria aqui sim, para saber como está, mas só mais tarde. Se apareci por aqui assim tão cedo foi por mero acaso, por um pequeno imprevisto que ocorreu na escola onde fui ensinar...
- Mas o que foi, foi algo grave que eu possa ajudar? – Perguntou o sacerdote.
- Nada de mais grave, coisas esperadas, sobre as quais falaremos noutro momento. Costumo aparecer por aqui quando a igreja está assim vazia de pessoas, pois me sinto mais apto a refletir. Quando estamos sozinhos parece que ouvimos vozes, sentimos anjos voando por todos os cantos, nos rodeando, querendo nos falar. Nunca ouvi a voz deles, mas certamente que converso com todos, e não só com os guardiães e querubins, mas com todas as forças poderosas que estão por aqui. Às vezes fico me perguntando se o Senhor ouve o que digo...
- Mas claro que ouve, e não somente ouve como lhe responde no mesmo instante. Quer saber como? – E diante de um Lucas muito interessado, começou a falar como Deus responde no mesmo instante em que ouve a palavra do fiel:
- Por favor, Lucas, converse silenciosamente com Deus por um instante – E ficou aguardando um momento, até que o rapaz pediu que prosseguisse – Pois bem. Nada sei sobre o que disseste a Ele, mas sei que Ele já te respondeu. A voz divina ainda está ecoando em você, ainda está muito presente nos seus olhos, na sua face, nos seus gestos e no seu coração. Não fale agora, mas sei que Ele te respondeu coisas boas, te deu boas esperanças, mostrou o que fazer diante da tua palavra. Os teus olhos estão brilhando de alegria será porque ouviste uma resposta ruim? Está sentindo o coração fortalecido porque ouviu alguma coisa desagradável? Teu rosto, tua face, está assim radiante porque a resposta que recebeu não foi a esperada? Eis a resposta que Deus te deu, estou certo? As palavras dele chegaram no mesmo instante do diálogo e você as ouviu, como realmente está demonstrando. Agora, somente você, através das suas ações, é que poderá dizer aos outros quais as palavras ditas por Deus. Meu filho, cabe ao homem refletir com ações as palavras de Deus, e aquele que não age segundo o que foi dito é porque quis ignorar o que ouviu ou precisa ainda estudar muito na escola da fé para entendê-las em sua plenitude...
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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