DISCUTÍVEL QUESTÃO DE GOSTO
Rangel Alves da Costa*
Há quem goste de suco de framboesa com sumo de rabanete, e ninguém tem nada a ver com isso; existem apreciadores de coca-cola com água de moringa e ninguém pode dizer da estranheza desse gosto; muitos não gostam de comer a carne do coco, apenas ficar por horas e horas mordendo a casca grossa e seca e ninguém pode dizer que é doido varrido; conheço uma pessoa que tem sempre na geladeira – e ainda oferece às visitas – salada de cascas de frutas; há quem jogue fora a carne a enche o prato de ossos, fartando o apetite com a dureza de mocotós e costelas; há sempre alguém que só sai de guarda-chuva quando tem certeza que não vai chover. Fazer o que, se tem gosto pra tudo...
Gostaria de conhecer pessoas normais, que vivessem normalmente, agissem na vida apenas fazendo o lógico, o básico, segundo a bula pra não se dizer que são excêntricas, cheias de frescuras ou amalucadas mesmo. E vejam que não é pedir muito conviver com pessoas normais, considerando-se que todos são normais dentro daquilo que pressupõem estar certo ou errado. Verdade é que todo mundo age corretamente, vive como deve ser vivido e pronto, somente os outros – que muitas vezes não se enxergam – é que querem dizer isso ou aquilo: que coisa ridícula, parece maluca!
Ora, se um vizinho seu dorme o dia inteirinho e quando acorda lá pela boca da noite, estende a rede na varanda para descansar é porque ele deve ter suas razões para tal, afinal de contas dormir demais cansa, deixa as pessoas afadigadas e mal-humoradas. Se você for lá na varanda falar com ele certamente vai ouvir que por favor volte amanhã, pois no momento está indisposto pra conversar. E certamente ficará dizendo que você parece não estar girando bem, indo visitar os outros quando já anoiteceu. Quando a noite cai que cada um fique na sua casa, sem essa de estar fazendo visitinha quando as famílias estão reunidas, a senhora está lavando os pratos da janta ou todo mundo está assistindo novela. Nem pensar, ir de encontro aos princípios dos outros, nem pensar.
Nunca vi coisa mais desnecessária do que esses tais de piercings no nariz, por todos os cantos da orelha, no umbigo, na língua e em outros lugares estranhos do corpo, mas é moda e tem até pai que aconselha sua filha colocar uma pequena joia bem na retina do olho. Ora, se coloca dentro da boca pode colocar em qualquer lugar. Não acho que isso seja útil em nada, que tenha algum proveito, que sirva de ornamento para embelezar o corpo. De jeito nenhum. O que sei é que pode causar sérias infecções e lesões e até atentar contra a vida das pessoas. Já pensou se alguém se engasga depois de beijar uma dessas gatinhas com metais pela língua? Morreu de que? De joia. De joia? Engasgado com o piercing da namorada que desprendeu e foi parar na goela do seu gatinho.
Podem dizer o contrário, mas é pura babaquice esse negócio de querer andar por aí feito marinheiro com o corpo repleto de tatuagens. Não sei de onde essas pessoas tiraram essa ideia de que ser ridículo é bonito, de que ter o corpo marcado feito bicho é louvável, de que encobrir a beleza pura do corpo é agradável. Os marinheiros tinham os seus motivos de mar e solidão tempestuosos, mas a mocinha bonita encher suas costas e quadris com figuras, setas e nomes não parece ser uma opção responsável. Os pais devem ser marinheiros ou a própria mocinha deve querer singrar nas águas revoltosas da realidade perdida. Não só mocinhas e mocinhos, como também pessoas já com idade de pensar em coisas mais importantes do que dragões cuspindo fogo ou corações flechados pelo amor desfeito. Marginal gosta muito disso, viciado também, e uma fulana com mais de quarenta anos, que pensa que é da onda, vive de minissaia, de cabelo vermelho-caipora e um Shrek tauado próximo à genitália. Ouvi dizer, nunca vi...
Voltando ao gosto por cuscuz com feijão ou mariola com uísque, só posso dizer que deve ser muito bom. Como também são maravilhosas aquelas músicas baianas tocadas no mais alto dos sons, na mala aberta do carro parado bem em frente à sua casa, como se os seus ouvidos estivessem dispostos a se acostumar com o que não presta.
Vou contar um segredo, e que fique somente entre a gente: já li muito livrinho com história de faroeste, uma vez cismei de escrever poesia e continuei rabiscando, gosto de assistir Chaves e de comer sarapatel. Mas também gosto de Clemilda e de Tchaikovski, de Chico César e de Debussy, de Jorge Amado e de Cervantes, de Cecília Meireles e de Florbela Espanca, gosto de pessoas e de Pessoa, gosto do dia e da noite, do sol e da chuva, gosto de todo mundo e adoro você...
Só pra não esquecer: Tinha dúvidas se gostava de mim mesmo ou me suportava. Agora sei que só posso amar o restante da vida se esse amor nascer de alguém que se ama.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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