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terça-feira, 29 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 30

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 30

Rangel Alves da Costa*


Ajeitando-se no conforto da cadeira, depois de tomar uma dose de uísque e acender um charuto, o prefeito começou a falar não demonstrando estar preocupado com as palavras pronunciadas por Lucas, buscando até mesmo conduzir o assunto por outro caminho:
- Os tempos andam difíceis rapaz, todos nós sabemos disso. O desemprego está aumentando cada vez mais e quem tinha seu emprego e perdeu parece não estar em bons lençóis, e pelo que me consta você perdeu o emprego que tinha de professor por má conduta. Ao menos foi o que me disseram. Fiz tudo pra não acreditar, mas o secretário de educação disse que você estava incitando os alunos a tocar fogo na escola. Outra versão disse que você estava ensinando os alunos a produzirem bombas caseiras para jogar na diretoria e tocar fogo em tudo...
Lucas ouvia aquilo tudo com a maior vontade do mundo de dar um muro naquela cara safada do prefeito. Fervia por dentro, mas procurava se conter, talvez que tivessem mesmo repassado aquelas informações para o mau caráter, e assim continuou ouvindo até chegar o seu instante de falar. E o prefeito continuou:
- Prefiro não acreditar em nada disso, pois sei que você é um menino muito bom, um rapaz muito útil e que será ainda muito mais útil. Na verdade, você só foi demitido porque a diretora, que é amante do vice-prefeito, exigiu sua cabeça. Mas isso é segredo e não conte a ninguém não, até porque tenho uma proposta irrecusável pra você...
- E qual seria tal proposta, senhor prefeito? – Perguntou Lucas, vermelho feito brasa e quase explodindo de raiva.
- Você vai receber o dobro do que ganhava e sem colocar os pés em escola nenhuma, em sala de aula nenhuma, sem fazer nada, nadica de nada, só em casa no bem bom e recebendo sua bolada todo final do mês. Como eu disse, você é meu amigo e eu trato bem os amigos. Assim, meu amigo, você vai assumir um cargo aqui na prefeitura e o resto deixe por nossa conta. Quer dizer, legalmente você trabalha, vai constar da folha do pagamento, mas no fim das contas tudo é de mentirinha, só um jeitinho de amigo para você ter o seu garantido sem fazer nada. Mas veja bem, tudo isso é legal porque todo mundo faz assim, e pode ver que não tem nenhuma prefeitura nesse mundão afora que não faça desse jeito. Só que isso é para uns poucos sortudos, e você foi um dos escolhidos. Topa?... – E o prefeito estava sorridente, acenando para que trouxessem outra dose de bebida.
- Se eu aceitar, senhor prefeito, será em troca de que? – Indagou Lucas, fazendo o possível para demonstrar que estava calmo.
- Em troca de sua utilidade, é isso. Em troca de sua utilidade, pois como eu havia dito você é um menino muito útil. Agora me pergunte, e útil como? Ora, meu rapaz trabalhando para que o povo que vai frequentar o seu barracão se torne meu eleitor, vote em mim e em meus candidatos. Com a inteligência que você tem e a facilidade nas palavras, basta dizer poucas coisas e o povo vai ficar bestinha por mim, vai achar que sou um político honesto e que por isso mereço continuar mandando politicamente no município. É isso, e não é fácil? Então topa?
Lucas olhou bem no fundo dos olhos do prefeito, levantou da cadeira e disse:
- Vou respeitar a prefeitura enquanto órgão público e por isso vou sair pacificamente, mas quanto a você saiba que não passa de um covarde, de um nojento, de um ladrão. Em síntese, você não vale nada e vai pagar caro, e bem caro por isso, não pelas minhas mãos, mas haverá de encontrar pedras pontiagudas pelo seu infame caminho – E foi saindo imediatamente, ainda ouvindo o prefeito que desesperadamente dizia:
- Eu dobro a oferta, triplico, volte aqui. E é melhor voltar senão quem foi lá derrubar umas coisinhas pode fazer pior...
Lucas saiu da prefeitura com aquelas últimas palavras na cabeça: "E é melhor voltar senão quem foi lá derrubar umas coisinhas pode fazer pior...". Não tinha mais dúvidas: tinha mão de gente grande por trás daquele episódio, e certamente que o prefeito estava envolvido. Ele mesmo, querendo ou não, acabava de confessar.
Caminhando totalmente desnorteado pela rua, sem querer deu de frente com a diretora da escola, que em tom esnobe, falou quase no seu ouvido: "Meus pêsames Lucas pelo que fizeram no seu barracão. É uma pena que nem esteja funcionando direito e pessoas ruins já se preocupam em ir até lá para ameaçar e destruir. Mas isto é abominável. Meus pêsames menino Lucas...". E foi saindo se requebrando.
Mas não pode ser, pensou. Não comentei isso com ninguém e primeiro vem o prefeito e fala sobre o assunto e agora vem essa coisa ruim e relata sobre o fato. Tem muito mais coisa nesse meio que preciso descobrir. E seguiu rumo à igreja com o juízo fervendo e a cabeça em tempo de explodir. Mesmo assim não era sua intenção comentar nada disso com o Padre Josefo.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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