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quinta-feira, 3 de junho de 2010

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 4

EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 4

Rangel Alves da Costa*


Mais uma vez o anjo do Senhor intercedeu para aliviar os sofrimentos dessa pequena família abalada pela morte, em tão curto espaço de tempo, das pessoas que lhe dava sustentação e norte. Primeiro Dona Isaura e depois Seu Erasto, mãe e pai dessas duas criaturas que agora tinham que conduzir suas vidas segundo os ditames de três frentes diferentes: o destino, as muitas lições deixadas pelos pais e o poder de cada um, de Lúcia e Lucas, para lutar e procurar vencer pelos caminhos que tinham pela frente.
A família praticamente havia se resumido aos dois. Possuíam alguns parentes no mesmo lugar e redondezas, mas era como se quase não existissem, pois quase não eram reconhecidos por eles que se arvoravam de ter uma situação financeira bem superior, o que naquelas redondezas era sinônimo de desprezo aos demais das ditas classes inferiores. Mas quem precisava deles? Pensavam os irmãos, vez que felizes por demais com aquilo que possuíam e capazes de conseguir o que quisessem sozinhos. Ora, eram maiores, com muita saúde, grande disposição para o trabalho e resolvidos a lapidar na unha a matéria mais bruta da vida que surgisse. Assim pensavam e assim estavam decididos.
Tanto Lúcia como Lucas eram professores em escolinhas da região e daqueles que ensinam de um tudo por falta de outros professores. Ganhavam pouco, mas dava para se manterem com dignidade. Sentiam-se até ricos, na mais pura expressão de ter tudo sem precisar estar pedindo favores aos outros. Moravam com os pais porque sentiam não haver necessidade de sair dali enquanto estivessem vivos, do mesmo modo decidiram continuar morando juntos na mesma residência agora até grande demais com a morte de seus pais. O que Lucas achou por bem foi mandar derrubar aquelas paredes de barro e manda levantá-las com tijolos. E assim decidiram conjuntamente, mais aliviados nas dores que continuavam insistindo por dentro e nas tantas saudades que continuavam atiçando por todos os lugares.
Mesmo dividindo espaço com os anjos da guarda dos irmãos, o anjo que apareceu a Isaura para falar sobre o futuro da família continuava por ali observando as coisas e intercedendo no que fosse necessário. Possuía uma posição hierárquica superior aos outros dois anjos, com mais força para decidir e mais eficácia nos efeitos do que decidisse, por isso mesmo sentia necessidade de estar ali ao lado dos dois, principalmente porque sabia que o destino daquela pequena família não seria tão normal como era costumeiro acontecer em casos semelhantes,
Esse anjo de força superior sabia que pouco tempo duraria aquela vida conjunta dos dois irmãos na mesma casa onde moraram com os seus, que não duraria muito para que se separassem e cada um passasse a viver por caminhos próprios. Com relação a ela, à menina Lúcia, sabia que o amor surgiria como fogo arrebatador e como tal faria com que ela procurasse concretizar seus desejos de mulher. Tudo muito normal para uma moça naquela idade e que ainda não tinha se voltado para atender aos anseios do coração somente porque preferia viver única e exclusivamente para os seus pais.
Contudo, o anjo sabia que com relação ao menino Lúcio a situação era bastante diferente, muito mais complicada. Não porque ele fosse diferente dos rapazes de sua idade, de forma alguma. Era bonito, inteligente, trabalhador, desejado por todas as mocinhas da região, namorador sem maiores compromissos e possuidor de um jeito especial de deixar apaixonadas todas as meninas que beijava. O problema dele e que o anjo achava meio complicado perante as outras situações da vida é que ele tinha um destino diferente a ser cumprido, tinha um horizonte diferente a ser alcançado e através de passos por estradas com muito mais pedras e espinhos do que o normal na vida de pessoas na sua idade.
O anjo sabia que a partir da morte dos seus pais, aos poucos, até imperceptivelmente, a vida de Lúcio iria se transformando até o instante em que ele mesmo sentisse que era chegado o momento de ser outro homem, de dar novos rumos à sua vida, de transformar em realidade sonhos que somente agora passaria a sentir que existiam mas que estavam esquecidos no seu interior. Na verdade, tudo isso apenas para despertar o que teria de ser assim, pois destino, pois compromisso dele ali na terra. O que o anjo do Senhor deveria era fazer com que esse destino fosse cumprido, e por isso mesmo estava com tal missão ali na casa dos irmãos.
Nessa sua missão de velar pelo cumprimento do que estava escrito como destino, é que o anjo apareceu no sonho de Lucas para lhe falar e dar o primeiro sinal de que sua vida estava se modificando. E disse o anjo: Numa bela manhã você despertará e ao sair à porta de casa e enxergar o sol sentirá que o mundo te chama, e quando olhar a estrada adiante verá que é por ela que terá de seguir.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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