EVANGELHO SEGUNDO A SOLIDÃO – 23
Rangel Alves da Costa*
Com um mês de inauguração, com as portas sempre abertas para quem quisesse visitá-lo ou fazer parte de sua comunidade, o barracão havia se tornado ponto de encontro certo para as mais diferentes pessoas a qualquer hora do dia.
Chegavam pessoas das redondezas, que passando próximo ao local resolviam ver o que era aquela novidade; uma animada e barulhenta criançada vinda de todos os lugares; mocinhas e rapazes que marcavam seus encontros por aquelas bandas; inúmeros curiosos e pessoas querendo saber como funcionava e como participar; professores e alunos da mesma escola onde Lucas ensinava e de outras escolas; pessoas desconhecidas no lugar, que paravam os seus veículos e desciam para ver o que era aquilo; outros que ficavam por muito tempo sentados ou passeando ao redor, como se tivessem perguntas a fazer; pessoas alegres e tristes, sorridentes e até com lágrimas nos olhos, todos, de uma forma ou de outra, marcavam presença ali. Até viram um dia quando a diretora da escola chegou escondidinha e ficou admirada com o que viu.
Por dois dias e duas noites serviu como moradia e cama para um casal de retirantes que passava por ali e pediu para descansar um pouco enquanto seguia viagem. Foram expulso da terra onde trabalhavam, disseram. Depois de sete anos se dedicando feito escravos na fazenda do rico fazendeiro, um dia que uma cobra mordeu e matou uma novilha o patrão jogou a culpa no pobre rapaz e deu duas horas para que saíssem dali, com direito somente a levar a criança de colo e a trouxa de panos.
Reclamou seus direitos, falou sobre aquele tempo todo se dedicando com unhas e dentes à propriedade, e o que ouviu do homem foi que se não saíssem por bem sairiam por mal. E mandou no mesmo instante que um dos capangas os acompanhasse até a porteira da fazenda. Foi esse capanga que deu uns tostões para que comprassem um pacote de biscoito. Por fim esse mesmo capanga chamou o desempregado num canto e disse que não dava mais porque não tinha. Viu lágrimas nos olhos desse homem, que acabou confidenciando que mais cedo ou mais tarde o seu destino seria aquele também, se saísse dali vivo.
Contaram essa mesma história a Lucas, que antes de poder ajudar no que fosse possível, ofereceu pernoite à pequena família no barracão. Entregou algum alimento e disse que providenciaria o dinheiro da passagem para seguirem adiante. Perguntou aonde iriam e ouviu que pra qualquer lugar, vez que até chegarem onde suas famílias moravam era muito longe, com muitas estradas e perigos. Disseram que os seus parentes viviam nos confins da Amazônia, lá pra cima do Xingu, nos escondidos do mundo.
Assim que passaram por ali e souberam de tal fato, os meninos marcaram uma reunião urgente para resolver como ajudar ao casal e o menininho. Juntaram todas as economias, foram pedir o auxílio do padre, e entregaram a Lucas para fazer a destinação correta. Este comprou alguns alimentos e o restante confiou nas mãos de Jugurta, o pai de família, e desejou que todos tivessem as bençãos de Deus onde fizessem parada e arranjassem emprego. Despediram-se chorando, implorando aos céus que aquele rapaz e aqueles meninos tivessem muita paz e saúde na vida. Silenciosos, Lucas e os meninos não sabiam se sorriam ou deixavam cair de vez as lágrimas escondidas.
No encontro do sábado seguinte, marcado para acontecer após as dez horas da manhã, o que Lucas percebeu foi que logo a partir das sete horas pessoas já estavam passeando por ali, vendo se o barracão estava aberto para entrar, trazendo banquinhos de madeira ou de plástico e até cestinhas com alimentos. Ora, pensou Lucas, o que faz aqui todas essas pessoas da cidade que nunca se dispuseram a passear por aqui, será que marcaram uma reunião por essas bandas, uma festinha, um piquenique ou coisa assim. Viu casais passeando, namorados namorando, amigos conversando, crianças brincando. E viu a diretora se escondendo por trás de uma moita para não ser vista. Estranho, muito estranho isso, ficou pensando.
Lucas observava tudo da janela de sua casa. Só sairia de lá quando os meninos chegassem e pudessem dizer alguma coisa sobre aquelas pessoas que se aglomeravam por ali. Somente elas poderiam dizer alguma coisa, vez que sabem de tudo do acontecido e do que vai acontecer. E Paulinho e Maria foram os primeiros a chegar, correndo logo pra dentro da casa do rapaz.
- Tá vendo Lucas, todas essas pessoas que estão aqui é porque o Padre Josefo vai celebrar uma missa dentro do barracão. Se lá dentro não couber as pessoas vai ser aqui fora mesmo, na natureza. Como se diz, uma missa campal... – Disse Paulinho com os olhos brilhando de satisfação.
- Missa... hoje... aqui?... – Lucas quase não fala e nem pergunta.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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