BAIXINHO, SOMENTE AO CORAÇÃO
Rangel Alves da Costa*
No esvoaçar do sentimento de Exupéry, que um dia disse pela boca do Pequeno Príncipe que o essencial é invisível aos olhos, direi também que o coração só ouve com perfeição quando lhe chegam gestos que são mais que palavras.
Quando muito, se a paixão é arrebatadora, desses que gritam e fazem estremecer as colinas, o coração se sentirá plenamente correspondido se as palavras que lhe chegar tiverem os mesmos sons da relva ao entardecer, da brisa dançando pelo ar, da estridência da revoada festiva que passa silenciosa rumo ao azul.
Que bom, meu amor, se eu também tivesse o dom de dizer tudo, mostrar tudo, realizar tudo e viver tudo, apenas com o barulho das águas mansas que passam! Silenciosamente o beija-flor faz sua festa na manhã inteira e todo mundo sabe dos milhões de beijos vorazes que ele deu nas flores...
Que barulho fará o meu olhar que procura, que encontra, que olha, que implora, quer entrar no teu olhar e quer mais, muito mais que isto? Que ruídos extremos esses que saem dos meus passos quando cuidadosamente caminho ao teu encontro, para chegar despercebido, fazer surpresa ao coração e roubar um beijo gostoso!
Diga-me, meu amor, como quer que eu grite que te amo, para que o mundo saiba o quanto sinto, mas somente você me compreenda e viva a força da minha expressão? Posso fazer isso de mil maneiras, tenho mil modos de dizer tudo sem dizer uma palavra sequer, ainda que seja baixinho no seu ouvido.
Vou jogar uma flor na sua janela. Há de ser manhã ainda adormecida, para que o orvalho a conserve quando seu olhar repousar sobre o vermelho mais intenso que houver. Dizem que é da paixão essa cor, mas digo apenas que é uma flor gritando para o meu amor!
Vou escrever o mais belo poema que nenhuma inspiração jamais poderá superar e depois vou recitá-lo ao entardecer, bem no instante que a suave ventania for passando e possa recolher palavra por palavra, rima com rima, para sair levando a métrica do amor pelo ar, seguindo contente e também apaixonado, rumo à sua janela.
Vou escrever pelos muros, vou riscar na areia da praia, vou soltar sinais no céu, vou dar vida ao léu, vou pedir ao meu amigo índio que suba na mais alta montanha e faça se espalhar pelo ar sinais de fumaça com o seu nome e depois faça rufar os tambores chamando os deuses da magia para a guerra interminável entre o querer e o bem-querer, entre o se doar e se ter.
Vou unir minhas mãos em preces, orações e mistérios divinos, implorando aos salmos e aos cânticos que o nosso amor, por ser eterno, não caiba somente em qualquer versículo da vida. E por que tanta fé e tanta busca de preservar o amor? Ora, meu amor, mesmo sabendo que vai morrer no instante seguinte a cigarra ainda canta...
Preciso, meu amor, desse silêncio para pensar num silêncio com palavras para que seu coração se alegre e se encante com a minha presença. Do silêncio nasce o verbo e faz-se a luz! Iluminado, o amor terá nossa feição.
Estou lendo um poema para aprender como é o silêncio que fala. Ele se chama Salmo do Silêncio, de Yttérbio Homem de Siqueira:
"Tão grande é meu silêncio que ouviria
uma hóstia pousar sobre uma nuvem ,
a floração de estrelas no abismo
e o murmúrio de Deus amando o mundo.
Neste convulso silêncio escutaria
uma luz caminhando no infinito
e a tristeza de um anjo abandonado.
Tão puro meu silêncio que escuto
o solitário coração de Deus
fluindo angústia. E às vezes sinto
desdobrar-se em silêncio e mais silêncio
a grande voz a murmurar meu nome
na negra solidão inacessível".
Murmuraria somente o teu nome nesse silêncio de agora...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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