O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 2
Rangel Alves da Costa*
Lucinha entrou toda sorridente no jardim, cumprimentou o jardineiro que já havia chegado e seguiu pelos arredores dando bom dia às plantas, folhas e flores. Falava mais próxima de uma e de outra, fazia carícias nas pétalas, dizia coisas interessantes que chegava a sorrir.
No seu canto toda esbelta e majestosa, as rosas da roseira olhavam tudo pelo canto do olho e aguardavam que a menina se aproximasse para lhes fazer um carinho e dizer algumas palavras. E Lucinha seguiu em sua direção toda alegre, mas porque viu uma bromélia caída adiante, apenas tocou numa das pétalas e saiu apressada.
As rosas quase dão um piripaqui na hora e passam dessa para uma melhor. Num segundo, e tudo de pior se fez presente naqueles sentimentos já acometidos de ódios e rancores. Assim, raiva, ira, inveja, desolação, angústia, cólera, fúria, sanha feroz, tudo, mais tudo mesmo e muito mais, começou a agitar aquelas flores que pareciam que iriam explodir a qualquer instante.
"Mas não vai ficar assim não, de jeito nenhum essa desfeita ficará sem resposta. Quem ela pensa que é, essa menina besta e feia, que passa em frente às mais belas das flores e nem sequer reconhece nossos encantos e nossas majestades? E vejam o que ela faz com as outras, beijando e lambendo aquelas lambisgóias malcheirosas e desajeitadas, feias igual a ela. Deixa de sentir o verdadeiro aroma das flores e se contenta com perfumes de quinta categoria. E depois ainda vem de lá sorrindo, toda saltitante, feito uma pereca no brejo, e quando chega aqui nem ao menos olha para nossas cores, para nossas feições, para as nossas pétalas belíssimas, nem sente as nossas mais puras fragrâncias. E o pior é que dá as costas e sai correndo pra outro lugar, indo em direção àquela bromélia que só vive caindo de embriagada, apaixonada pelo bambu. Bem feito que ele não troca a avenca por ela de jeito nenhum. Era bom que na correria para ajudar à outra tivesse caído e sujado esse vestido rendado. Agora tá lá, confortando aquela bêbada logo de manhãzinha. Só faltava essa, a gente esquecida no jardim e ela ajudando uma apaixonada. Mas isso não vai ficar assim não, não vai ficar assim de jeito nenhum. Temos que planejar alguma coisa urgentemente para mostrar aquela zinha que ela é menina feia e não vale nada. Temos que mostrar a ela quem realmente somos. Pensem agora mesmo no que poderemos fazer...".
Foram as palavras extremamente revoltadas de uma das rosas, que ficou discutindo com as outras o castigo que dariam a Lucinha. E não durou muito e já sabiam exatamente o que fazer.
"Ainda bem que chegamos a um consenso sobre o que fazer com aquela ingrata da Lucinha. Vamos roubar o sorriso dela, e isso será mais do que merecido. Só assim vai saber respeitar as rainhas das flores". Falou uma das rosas, quase que na condição de líder das demais. E foi quanto uma perguntou: "Mas como vamos roubar o sorriso da menina?".
"Ora, é muito fácil sua boba. Lembra que nós temos um pólen especial para situações como tal. O pólen de uma apenas entristece momentaneamente a pessoa, mas o pólen de todas e expelidos no mesmo sentido, com os pensamentos voltados para alcançar o objetivo, será tiro e queda. A menina besta vai perder seu sorriso por um bom tempo, até que ela se curve aos nossos caules e passe a nos tratar como realmente merecemos. Então é isso, na primeira vez que ela se aproximar da gente, todas juntas, num pensamento só, expeliremos o pólen da tristeza sobre o rosto dela. Estamos certas assim?".
No dia seguinte, logo cedinho, Lucinha chegou toda sorridente, brincou como sempre, conversou com plantas e flores, e quando se aproximou da roseira logo avistou as rosas como se estivessem mais ansiosas, de olhos mais abertos e nervosas. E quando aproximou bem o rosto para perguntar se estavam bem, se estavam sentindo alguma coisa, o pólen foi expelido e num segundo o sorriso sumiu da face da menina.
Roubaram seu sorriso e a tristeza tomou conta de Lucinha.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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