ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 22
Rangel Alves da Costa*
Zezinho aproveitou o povo no máximo encantamento, louvando a chegada do menino salvador, e saiu de fininho sem ser percebido até mesmo pelo padre Carmélio, que já havia tomado três cálices do melhor vinho e ruborizava junto aos fiéis.
Caminhou rapidamente pelos arredores e mais adiante foi procurar um lugar sossegado para sentar e refletir melhor sobre aquela conversa toda de que era o salvador da igreja. Pelo visto, o povo ficava encantado com sua história de vida, seus conhecimentos de menino sertanejo e suas palavras realistas e por isso mesmo poderia retornar à igreja e revigorar a fé. Menos mal, pensava.
O problema é que sabia que não era nenhum salvador, nenhum menino prometido, mas apenas uma criança que já não suportava mais aquela situação de dúvidas, abandono e uma vontade imensa de encontrar alguma solução para aquilo tudo.
Sentado no banco mais escondido de uma praça, ficou imaginando no que fazer dali por diante. Se sua mãe estivesse realmente morta, não poderia fazer outra coisa senão tentar retornar para casa. O problema é que não tinha como voltar à cidadezinha sertaneja e nem casa para ficar, nem tinha família nem mais nada por lá.
Se ficasse ali naquela cidade grande, cercado de desconhecidos e entregue à sorte da vida, certamente teria uma vida de sofrimentos, pois teria de passar fome, pedir esmolas, fazer tudo aquilo que via as crianças abandonadas dali fazer. O pior é que mais tarde poderia se envolver com o que não prestava, começar a roubar, usar drogas e praticar outras coisas que não se afeiçoavam ao seu caráter de menino sertanejo e sério, lutador e pronto para os bons desafios da vida.
Se desse sorte, o máximo que iria conseguir na cidade grande era crescer sem se perder logo cedo, na infância, no início do caminho da vida. Mas como isso poderia ser possível, se a brutalidade e a desumanidade do lugar não olham para ninguém a não ser para tornar em réu, acusado de tudo sem ter cometido nada? Quem iria oferecer casa e comida por uns tempos a um menino que não conhece, que não sabe de onde veio, o que faz e o que pretende ali?
Aqueles meninos que via jogados pelas calçadas, nas esquinas, nos cruzamentos e em todos os lugares da cidade, certamente que eram exemplos de que não havia muita diferença entre eles e os sacos de lixo que eram deixados nas calçadas, os animais que vagavam sem donos e a imundície que se espalhava por todos os cantos.
Os meninos dali que viviam pelas ruas pareciam seres de outro mundo, e de um mundo desumano, covarde e absurdo. Eram feios, esfarrapados, famintos. E Zezinho ainda se perguntava: Como as pessoas conseguem viver ao lado de bichos humanos e não têm ao menos a ideia de que aqueles bichos ferozes bem que poderiam ter saído de suas casas, de suas vidas, de suas famílias?
Não. Decididamente Zezinho não pretendia ficar mais nenhum instante ali para ir se acostumando com aquela sorte. Ficando mais uma semana ficaria um mês, e depois dois meses e um ano, e assim por diante. E de repente não seria mais o menino sertanejo, e sim mais um menino abandonado da cidade grande. E que futuro, meu Deus, pode esperar um menino desses?
Pensava e pensava, chegava à conclusão de que não ficaria ali nem mais um dia, contudo sempre voltava o problema de como sair do lugar, arrumar dinheiro para passagem e tomar o rumo do lugarejo de onde jamais tinha que ter saído. E foi quando lhe surgiu a ideia de retornar ao seu sertão sem gastar um tostão.
Não só retornaria ao sertão sem gastar um tostão, mas também chegaria por lá como pessoa importante e olhado com respeito até mesmo pelas famílias mais ricas das redondezas. Entretanto, para que o seu plano desse certo teria que aceitar, ao menos por certo tempo, continuar sendo o menino salvador, o prometido, aquele que é a voz da nova esperança.
E voltou à igreja para dar início ao seu plano.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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