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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

VIDA QUE SOFRE! (Crônica)

VIDA QUE SOFRE!

Rangel Alves da Costa*


Quando na terra não existir mais ninguém, não porque o mundo tenha acabado, mas porque acabaram com o mundo, e os marcianos tenham se apossado dos seus destroços e transformado escombros em arte reluzente, certamente descobrirão escondido num lugar qualquer o testamento da vida que nunca foi e não é mais.
A vida sempre teve toda razão de se orgulhar e maldizer, amar e odiar, ter orgulho e aversão, pelo fato de ter vivido nessa vida. Talvez porque é melhor viver a realidade do que se arriscar no desconhecido, mas a verdade é que a vida suportou viver na vida como suportaria qualquer ser onde não tivesse outro lugar para viver.
Mas não deixou barato não. A vida quando aqui viveu tudo fez para oferecer aos seus habitantes o melhor que se podia imaginar. E não fez pouco não, pois há que se falar da própria vida de cada um, dos olhos para enxergar a natureza e suas belezas, as vastidões de paisagens belíssimas; os mistérios fascinantes escondidos em cada lugar mais distante, as praias de águas cristalinas, os rios, os mares, os barcos que chegam com a saudade, a saudade que abraça e vai amar, o amor, a paixão, a brisa da tarde, o sol radiante, o encanto apaixonante e apaixonado da noite enluarada, e mais, muito mais que os olhos nem dão conta de tantas coisas maravilhosas.
Deu aos habitantes da terra tudo isso de mão beijada e ficou só olhando o que eles fariam com tantas bençãos. O que viu foi o homem tantas vezes lançar seu olhar diante da natureza somente para enxergar onde poderia ferir mais fortemente, destruir mais rapidamente, matar sem ter piedade e sem pensar em consequencias. E para que tanto ar puro, tantas matas, tanta água correndo, tanta fauna e tanta flora, tanta exuberância, se o mundo será o mesmo com ou sem natureza? Esse o pensamento na mente humana...
De repente, a vida que permitiu que o homem fizesse tudo isso, pois deu-lhe carta branca para mostrar na terra o que era capaz de fazer, sentiu que a sua concessão estava sendo usada indiscriminadamente demais e, quando quis reparar o erro, já era muito tarde. A criatura já havia se voltado contra o criador e quem seria alvo de destruição seria a própria vida.
Correndo espantada, fugindo apavorada, procurando qualquer salvação, a vida encontrou um espelho e por trás dele se escondeu. E o homem que vinha raivoso, arrogante, sedento de sangue, cheio de maldades, disposto a ferir e a matar, a devastar de vez tudo que encontrasse pela frente, quando se viu diante do espelho, parou assustado porque ali ele deveria estar refletido, porém aquele não era ele.
E lá estava um homem com sua feição, o seu olhar, a cor da sua pele, o desalinhamento dos seus cabelos, o seu tamanho corporal, seu dente de ouro, sua camisa suja, sua calça rasgada, a sua sandália carcomida. Só poderia ser ele, mas também não tinha que ser ele porque havia um aspecto de paz envolvendo aquela pessoa, um leve sorriso nos lábios e um olhar sem os traumas do ódio e da violência. Mas como poderia ser ele, se ele era outro e esse outro já não se reconhecia mais?
Para não perder o costume, pois assim se acostumou a fazer contra tudo e todos, bateu com tamanha violência no espelho que este se espalhou em mil pedaços. E quem surgiu do outro lado foi a vida que estava escondida. E ela gritou que se matasse a vida ninguém mais poderia existir na vida.
O homem teve piedade e resolveu que seria melhor que ela fosse morrendo aos poucos.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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