DIÁLOGO DOS PASSARINHOS
Rangel Alves da Costa*
- O vento está soprando cada vez mais forte, o horizonte começa a ficar mais escurecido. Acho que vai chover, e tenho certeza que será chuva de tempestade...
- Deus me livre uma tempestade numa hora dessas. Meu ninho é muito frágil e mal suporta a ventania. Se vier tempestade fico sem casa para me abrigar e descansar e vou ter que voar por aí em busca de um lugar seguro...
- Meu ninho é pequeno, mas dá para dois e até três ou mais. A gente constrói com o que tem, juntando farrapo, gravetos, capim e tudo mais, pensando sempre que a gente não vai estar sozinha o tempo todo. Sempre há esperança que chegue um amigo, apareçam os filhos, surja quem sabe o amor para dividir o ninho...
- Agradeço, mas tenho a confiança que vou poder continuar no alto da minha palmeira. Lá de cima é tanta paz, tão longe das ameaças dos caçadores e até dos gaviões e outros predadores que vivem por aí. No silêncio do meu pouso e repouso posso ficar observando como a natureza é bonita, misteriosa e envolvente...
- Com certeza é tudo isso e muito mais. Pena que mais cedo ou mais tarde a gente tenha que voar para mais longe e fixar moradia em outras paisagens, construir novos ninhos e recomeçar a vida praticamente em regiões desconhecidas...
- É mesmo, nem havia pensado nisso. Lá no começo daquela estrada as máquinas já começaram a chegar, os homens já estão construindo acampamentos e não demorará muito para que comecem a desmatar em nome do progresso...
- Dizem que vão construir uma estrada cortando essa mata toda. Verdade é que se vão construir uma estrada não precisava destruir a mata toda ao redor. Eles não sabem ou parece não querer conhecer o que é a natureza e a sua importância...
- Fazem que desconhecem isso tudo, mas não podem serem culpados sozinhos não. Fazem porque recebem ordens dos poderosos, do próprio governo e das empreiteiras, dos grandes empresários e de pessoas muito influentes. Aí chegam aqui, olham, tomam anotações, dizem que não vai haver impacto ambiental e de repente tudo já está sendo derrubado e destruído, não restando nem mato, nem os seus habitantes e suas histórias...
- O problema é que não é somente uma estrada que vai ser construída de um lugar a outro. O problema é saber como vão passar a viver tantas vidas que moram por aqui. Aí dentro da mataria ainda existe velhos trabalhadores morando com suas famílias, animais quase em extinção, plantas que praticamente só existem aqui...
- E não é só isso não, pois a gente pode bater as asas no mesmo instante que sente ameaçado, rumar sem destino para fugir das ameaças. Mas com muitas outras espécies que ainda sobrevivem aqui é muito diferente. Aqueles que não têm asas vão se sentir encurralados e sem ter para onde ir certamente morrerão. As árvores centenárias sentirão apenas a serra elétrica na carne e sangrarão até morrer como as últimas de suas espécies. Plantas e folhas serão pisadas pelas botas do progresso. Tamanduá-bandeira, teiú, macaco-prego, sabiá-laranjeira, raposas e guaxinins, coelhos e lebres, todos que ainda estão aí por dentro certamente morrerão...
- E nós vamos voar. Mas para onde?
- Outro problema é saber para onde voar. Quando penso no norte e no sul, sinto que o mesmo acontece por lá. Voar sem destino, ser apenas passarinho é o que certamente farei...
- Se existissem florestas nas nuvens é para lá que nós iríamos...
- Nas nuvens eu não sei não, mas que dizem que o céu dos passarinhos é a coisa mais linda do mundo.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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