SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

SAIA DO MEU CAMINHO (Crônica)

SAIA DO MEU CAMINHO

Rangel Alves da Costa*


Antes de pegar o caminho e seguir pelo mundo – e certamente com suas razões -, o bom e velho Belchior já deixava bem claro para quem quisesse ouvir: "Saia do meu caminho, eu preciso andar sozinho, deixem que eu decida minha vida. Não preciso que me digam de que lado nasce o sol, porque bate lá meu coração...".
Dou razão ao cearense e assino embaixo. Coisa mais feia esse modo que o povo tem, incluindo você e todo mundo, de querer andar vigiando a vida dos outros, pretendendo ter nas mãos meu destino, olhando o que faço ou deixo de fazer, por qual rua entro e por qual esquina apareço. Ninguém tira uma pedra do meio do caminho, mas os olhos ficam ávidos para ver o tropeço.
Querem conhecer mais os meus esconderijos do que embaixo de suas camas; procuram saber se o meu céu é azul e nem lembram da fazer orações; vivem comentando que sou feliz demais porque nunca me viram triste. Outro dia quiseram entrar às escondidas no meu mundo e esqueceram de que para entrar na minha vida têm, ao menos, saber em que mundo estou.
Não adianta olhar ao longe, bem longe, mais adiante e para o alto que não vão me encontrar. Não saio de onde sempre estou, mas ainda assim duvido que suas asas quebradas alcancem ao menos a cumeeira de onde vivem. E não adianta querer que diga onde estou porque os seus olhos de pequenez e inveja não enxergam além da própria sombra.
Verdade é que descobri que você – agora me refiro somente a você - quer ter nas mãos as chaves das minhas portas, quer controlar a luz do sol e da lua que entra pela minha janela, quer interferir no que eu possa sonhar e chamar pesadelos em seu lugar, quer tornar a minha sede e a minha fome na sua medida, quer dizer quantos passos posso andar e quantos pulos posso dar no mundo. Não sei quando devo apenas sorrir ou gargalhar.
Até que aceito ter sua censura me vigiando, seu dedo me mandando fazer silêncio, esbarrar nas suas portas trancadas, ajoelhar e pedir tudo que precisar. Até que aceito ser submetido, humilhado, desonrado, ter o nome na lama e o resto no lixo, mas somente quando você me responder algumas pequenas coisas:
De que jazida, ao invés de ser parida, foste colhida um dia? Quantos quilates possuem os teus dentes, quantos rubis estão nos teus olhos e qual foi o rei Salomão que esqueceu sua mina no teu corpo? Qual lago encantado permitiu que um de cisne tão real linhagem fosse esvoaçar as plumagens bem ao lado de não estou? De qual sonho de fadas pulaste um dia para enxergar em mim o sapo que não será beijado jamais? De qual nobreza é este teu sangue que de tão azul sumiu no mar e se afogou?
Não precisa responder porque sei que seus brasões, insígnias e bandeiras são bem maiores do que aqueles ostentados pelos soberanos puros que viveram um dia escondidos num reino nas brumas de Avalon. E o bardo partiu de lá porque sua humilde canção não mais encantava os soberanos sempre entristecidos pela falta de razão de viver. Agora me responda, ó donzela que se esconde na torre do castelo e deixa toda maldade do mundo escorrer pelas imensas tranças dos seus cabelos:
Você tem alguma razão para viver, a não ser me perseguindo, me vigiando, querendo sumir com o meu tempo, esconder meus dias e minhas horas, sufocar-me para não gritar a não ser para chamar teu nome?
Pelo que eu saiba, se não fosse a nobreza de ostentar um nome de mulher e viver num corpo emprestado pelo sopro maior, você seria igualzinha ao que quer que eu seja. Só que jamais seria tudo como sou, feliz como sou, amante e amado como estou.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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