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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 10 (Conto)

O ROUBO DO SORRISO DA MENINA – 10

Rangel Alves da Costa*


Quando tudo estava mais calmo, o pai de Lucinha foi até o jardim procurar Seu Heleno para saber se este poderia informar sobre aquela história maluca da tristeza na menina causada pelas rosas.
Seu Heleno já sabia que isso poderia acontecer, que as explicações sobre aquela história toda iriam acabar sobrando pra ele. Já havia pensado e repensado sobre o caso e decidido que não deixaria de forma alguma que o problema ganhasse proporções além do jardim. Por isso mesmo é que respondeu a Paulo:
"Parece coisa do outro mundo, Dr. Paulo, mas se eu disser uma coisa o senhor não vai acreditar. Pode olhar ao redor que o senhor vai perceber que está tudo normal, tudo silêncio, tudo na santa paz de Deus. Mas o senhor não sabe de nada, por isso mesmo que se eu disser o senhor não vai acreditar, mas a verdade é que as plantas, as flores, os bichos, os passarinhos e até as pedras desse jardim falam como gente, ouvem como gente, tem sentimento como gente; não andam como gente, mas possuem um jeito de sair do lugar e ir pra onde quiserem que eu nem sei explicar. Agora mesmo estão ouvindo a gente e assim que o senhor for embora vai ser a maior zuada. Mas só quem pode ouvir elas conversando e até conversar também somos nós, Lucinha e eu, ninguém mais tem esse poder..."
Paulo, que era moreno claro, ficou da cor de carambola sem casca quando ouviu essa história. Procurava dizer alguma coisa, porém não encontrava palavra nem sabia o que expressar diante daquela maluquice toda, segundo ficou imaginando no primeiro momento. Conseguiu abrir a boca pra tentar falar qualquer coisa:
"Deixe isso pra lá que a vida já é uma loucura demais para que eu enlouqueça mais cedo junto com ela. Vou procurar um médico de cabeça pro senhor, como costumam dizer – Disse sorrindo -. Se minha filha me disser isso vou levá-la ao psicólogo na hora. Mas deixe isso pra lá. E sobre essa história que as rosas querem ver minha filha triste? Como é que elas podem fazer isso se já morreram?".
Então foi a vez do jardineiro procurar palavras para responder e não conseguir encontrá-las. Olhou ao redor e sentiu as flores pulsando, chegando a ouvir a margarida dizer "Cuidado com o que vai falar!". E falou sem pensar muito no que ia dizer:
"Nada disso existe Dr. Paulo, o senhor bem sabe que somente Deus pode dispor sobre nossa tristeza e nossa alegria. É ele quem coloca no coração a chama ardente da alegria ou a frieza da tristeza, mas isso depende também muito do que a gente faça na vida. Se faz o bem, certamente Deus reconhecerá com a alegria no coração, que vai se irradiando por tudo...".
Estava filosofando demais, parecendo que dava rodeios sem chegar ao ponto que interessava a Paulo, então foi interrompido por este:
"Mas vamos ao que interessa. Lembre que eu fiz duas perguntas, que vou resumir pra apenas uma, e quero a resposta: Que história é essa que as rosas que já morreram querem ver minha Lucinha triste?"
Aí Seu Heleno ficou sem saída e teve que encontrar a resposta cabível para o momento:
"Doutor Paulo lembra que eu disse que essas espécies todas existentes no jardim falam e agem como se fossem gente, não foi? Então é fácil perceber que elas também têm sentimentos, e a meu ver o ciúme é o que está mais presente nelas. Eita turminha ciumenta é essa, cheia de futrica e de falsidade. Por causa desse ciúme todo de umas flores para com as outras é que as rosas, que sempre se acharam mais bonitas, cheirosas e importantes que as demais, nunca se deram bem, por exemplo, com as margaridas, os girassóis, os lírios e as violetas. Era o maior bafafá entre elas, com discussões de espalhar pétalas pelo ar. Então, doutor Paulo, as rosas achavam que a pequena Lucinha gostava mais das outras flores do que delas, só porque via a menina toda alegre conversando com elas. As rosas queriam porque queriam que Lucinha voltasse sua atenção somente pra elas, sem ao menos dirigir palavra ou sorriso para as outras. Tudo vaidade e egoísmo em demasia. Assim, como Lucinha não deu o braço a torcer, não trocou a amizade das outras flores para satisfazer o ego metido a besta das rosas, é que começou essa conversa toda, dizendo que as rosas tinham roubado o sorriso dela. O problema é que depois de uma mudança repentina no tempo, com uma verdadeira tempestade, as rosas apareceram mortas. E até hoje ninguém sabe quem fez a besteira..."
Então Paulo interrompeu, bastante interessado no caso: "E com a morte das rosas morreu também a alegria de Lucinha, não é isso?".
"Mas isso não existe. Essa conversa de roubo do sorriso não existe...". O jardineiro tentou dar um basta no assunto.
"Mas ora, Seu Heleno, se isso não existe e por que a menina está vivendo numa tristeza de não acabar mais? E por que aquelas malditas rosas foram parar lá no quarto dela e estavam debaixo da cama junto com a menina?". Perguntou Paulo, para total desespero do jardineiro.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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