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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 2 de novembro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 14 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 14

Rangel Alves da Costa*


Zezinho leu aquelas palavras escritas no papel e achou tudo muito bonito. Não soube entender muito bem o que elas queriam dizer, mas certamente eram coisas muito bonitas. Aliás, aos olhos do menino tudo era maravilhoso ali naquela imensa igreja.
Lembrou da diferença que era desta para a igrejinha da cidadezinha sertaneja onde nasceu. A de lá, recordava bem, era formada apenas por uma porta de entrada e duas laterais, com uma fachada bem alta que ia se afunilando e uma cruz lá em cima.
Por dentro era quase como um salão com duas portas em cada lado, com bancos colocados em fileiras, retratos de santos nas paredes e um pequeno altar ao fundo, onde se avistava uma mesinha de madeira e mais atrás, no alto da parede do fundo, uma imagem do Cristo com a cabeça levemente caída e braços abertos sobre a cruz.
Quando ia à igrejinha com sua mãe, geralmente aos domingos quando tinha missa, muitas vezes teve medo daquela cruz na parede com aquele homem magro, quase nu, com uma coroa de espinhos fazendo o sangue jorrar de sua cabeça. Tinha medo porque achava aquela cena muito triste, parecendo que, mesmo com a cabeça pendida para um lado e os olhos fechados, aquele homem estava olhando para todos.
Nunca contou a ninguém não, nem à sua mãe, mas certa vez teve certeza que viu o homem da cruz erguer a cabeça e olhar e sorrir para ele. Saiu correndo e depois desse dia nunca mais esqueceu daquele olhar e daquele sorriso. Muito menos esqueceria jamais daquele homem.
Todas as noites que rezava ajoelhado antes de deitar era como se os olhos fechados estivessem enxergando a cruz na parede da igreja e aquele homem pregado nela e que, mesmo com traços de dor pela face, inegavelmente sofrendo, ainda olhava com carinho e sorria.
E tantas vezes, quando já estava no finalzinho do Pai Nosso, quando já ia dizendo Amém, era como se aquele homem se aproximasse dele e tocasse levemente sua cabeça. E certo dia ouviu até ele dizer:
"Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós. Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo!".
E noutra vez ouviu ainda ele dizer: ""Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham. Em verdade vos digo: todo o que não receber o Reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará". Em seguida, num leve toque sentido como num sopro, abraçou e abençoou-o impondo-lhe as mãos.
E por que Zezinho lembrava de tudo isso? Na verdade não sabia explicar, mas o certo mesmo é que as palavras nunca saíram de sua cabeça, do seu pensamento, da sua imaginação. Do mesmo modo jamais esqueceria aquela figura da cruz, aquele homem que um dia lhe causou espanto e depois de algum tempo se tornou seu amigo inseparável. Amigo porque de repente passou a ter interesse e vontade de rezar todas as noites só para senti-lo chegando, sentir a sua presença, a sua palavra, o seu abraço.
E agora, naquela igreja muito diferente daquela de sua cidadezinha, sentiu-se surpreendido e contente por ter reencontrado o amigo. Há dias que praticamente não tinha noites, não tinha cama, não podia rezar antes de deitar, e por isso mesmo o amigo parecia distante. Mas o que fazer para senti-lo novamente, já que não era noite, não era hora de rezar, ali não era o seu quarto, tudo ali era diferente?
Sentado no banco, pensava e pensava como seria bom sentir novamente aquela presença e aquele abraço, e quem sabe ouvir aquela voz no seu ouvido dizendo baixinho coisas bonitas de ouvir.
Levantou e se pôs a caminhar em direção ao altar. Quando mais seguia mais uma força lhe impulsionava para seguir adiante. E quase sem perceber já estava diante da cruz, abaixo do homem, diante do seu amigo. E num impulso ajoelhou, baixou a cabeça, uniu as mãos e começou a rezar:
"Pai nosso, que estais nos céus, Santificado seja o vosso nome, Venha a nós o vosso reino, Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu; O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Perdoai-nos as nossas ofensas, assim com nós perdoamos a quem nos tem ofendido, E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, Amém".
Após a oração ficou em silêncio e começou a sentir uma presença forte ao seu lado. E disse suavemente uma voz: "Sempre estarei ao teu lado!".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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