Rangel Alves da Costa*
A solidão humana de Sinhá Filó era amenizada com a chegada de um ou outro visitante. Coisa rara, por sinal, vez que sempre tinha de se contentar com seus gatinhos e seu rato de estimação. Ademais, ninguém acorria ali simplesmente para uma prosa, para perguntar como ela estava, se se sentia necessitada de alguma coisa. Certamente que não.
Quem chegava ali queria um galho de mastruço, umas folhas de boldo, qualquer planta medicinal cultivada no quintal. Ou mesmo lançar o olho pidão no delicioso bolo de macaxeira sobre a mesa. Mas tinha uma mocinha que fazia diferente, pois batia à porta da velha amiga pedindo pra brincar um tiquinho com as bonecas de pano que Filó guardava num baú.
A velha Sinhá apreciava demais esse jeito menina da mocinha, tão esfuziante e contente a conversar e segredar com as de pano como se pessoas fossem. De três em três dias, um pouco mais, um pouco menos, a mocinha fazia a interessante visita. Contudo, de repente, sem explicação alguma, a jovem amiguinha simplesmente desapareceu.
Filó ficou deveras preocupada com a situação. Alguma coisa estranha certamente havia acontecido para que a mocinha se ausentasse daquela maneira. Contudo, num começo de tarde em que estava sentada na cadeira de balanço, ao pé de janela, avistou-a passando toda espevitada, feliz e contente que só. E não pensou duas vezes. Juntou todas as forças que tinha e gritou.
Num instante e a dita já estava porta adentro toda saltitante, enfeitada de roupa de chita, bijuteria descendo pelo pescoço e uma rosa vermelha no cabelo. Estava bonita a danada. Era bonita a danadinha. Sinhá Filó, estranhando toda aquela transformação, foi logo perguntando o que havia acontecido para andar tão sumida e estar daquele jeito, parecendo uma sirigaita namoradeira. E ouviu: O amor, Vó Filó, o amor, o amor, o amor!...
Sinhá Filó, meio acabrunhada, pediu que sentasse num banquinho ao lado e contasse a história direito, vez que estava estranhando demais tanta periquitagem. Então a mocinha disse que contaria tudinho em pé mesmo, pois assim se sentia mais à vontade para falar sobre as delícias que é beijar, abraçar, sobre o arrepiozinho calorento que dá quando os dois estão coladinhos e quase nos finalmente.
Coitada da velha, não sabia nem como se comportar ouvindo aquelas proezas da juventude. Sentiu-se ruborizada, afogueada, num desconforto danado por dentro dos roupões. De repente lembrou-se do falecido esposo quando jovem e danou-se a arrepiar todinha. Percebendo a mudança na feição da velha, a mocinha perguntou se estava bem. E ouviu algo inesperado: Conta mais, conte mais. Disse uma Filó de olhos brilhentos.
Quanto mais a mocinha falava, mais dizia que estava namorando e que era coisa melhor que doce de leite e araçá madurinho, mais a velha se interessava, instigava, queria saber pormenores. Atinando para a intencionalidade da velha amiga, a jovem acabou dizendo que aquelas coisas mais escondidas só depois do casamento, pois tinha amiga que ficou sem roseira depois que o malandro desfolhou tudo e sumiu.
Assim que a amiga se despediu, Sinhá Filó correu para se banhar. Estava calorenta que só, como se um braseiro estivesse se formando por dentro. E depois, assim que se encheu de pó, de água de colônia e passou óleo de coco nos cabelos, retornou cheia de contentamento para a sala da frente. Mas ao invés de sentar ao lado da janela, pelo lado de dentro, resolveu colocar a cadeira de balanço na calçada.
Ali, com o vento dançando ao redor, apertava o olho para ver se algum moço bonito se aproximava. E cada um que passava tinha a feição de um verdadeiro príncipe, do belo moço que desce de sua carruagem com flor à mão para a sua dama. E em cada um o seu jovem esposo, o seu falecido marido chegando todo cheio de encanto e de intenções fervorosas. E fechava os olhos esperando um beijo. E sentia o vento quente beijando suas velhas coxas.
Anoiteceu e ela ainda ali sentada, adormecida debaixo da lua, sonhando com beijos e abraços. Era uma flor, uma bela flor, ornada de pensamentos que não envelhecem, ainda que os outonos esmaeçam o jardim.
Poeta e cronista
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