SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 23 de junho de 2016

AS RAPARIGAS DO BECO TORTO


*Rangel Alves da Costa


O Beco Torto fica ao fim de uma rua escura, depois de três ou quatro esquinas e olhares os mais suspeitos. Dizem que ali um antro de tudo, desde o uso ao tráfico de drogas. Mas ainda assim muitos se arriscam em busca das ilusões noturnas cheirando a limão, a perfume barato e corpos encharcados e malcheirosos de sexo. Eis que à procura e encontro do Beco Torto.
Ali uma vida torta como o próprio nome do lugar. Espeluncas servindo de bares, e bares chinfrins funcionando como cabarés. Pelas calçadas, mulheres também tortas, rotas e entristecidas à espera de clientes, andando de lado a outro e exibindo rugas, rostos pintados além da conta, magrezas doentias e gorduras e estrias em abundância. Outras se mantêm dentro dos bares catando clientes e implorando gole de cerveja e rum. O preço do desfrute? Qualquer coisa, qualquer coisa...
Não poderia haver exigências, preço caro, segundo a carne ao dispor e a qualidade do produto. São mulheres sem asseios maiores, já marcadas de tempo e de cama, daquelas que já repugnam o sexo e só estão ali porque não há outro meio de sobrevivência. Por isso mesmo costumeiramente alcoolizadas, melancólicas, entristecidas, sempre se prometendo giletes nos punhos. Fato é que não se pode nada afirmar sobre as idades das raparigas, vez que algumas parecendo mumificadas e outras, mesmo ainda muito jovens, já com feições envelhecidas.
Em meio àquelas que já circulam por ali desde muito tempo e têm os cabarés quase como moradias, nada mais doloroso do que a chegada de novata que logo começa a atrair os olhares e as atenções dos possíveis clientes. Sempre veem a carne nova, bonitinha, empinadinha, como afronta e ameaça. Desde piadas a agressões verbais, tudo fazem para afastar dali a novidade que chegou para, sem durar muito tempo, se mostrar no mesmo estágio de rejeição e angústia que elas.
É ante a rapariga nova que as velhas raparigas se deparam com espelhos de vida, de dor e sofrimento. Relembram suas juventudes, seus corpos bonitos, macios, apetitosos, despertando olhares e desejos. Ao menos no pensamento, é assim o filme que lentamente vai repassando. Depois do desabrochar do sexo e o murchar da flor, apenas vistas como mulheres da vida, como prostitutas, rampeiras, qualquer uma que abre as pernas para qualquer um em troca de vintém. Mais doloroso ainda com o avançar da idade e já não encontrar sequer quem pague uma dose de cachaça e lhes aponte um cigarro.
Sempre um destino e um percurso por uma estrada e um fim já por todos conhecido. O despertar do sexo ocorrendo como normalidade, mas tudo ganhando outra feição ao fazer da prática um costume recompensado em dinheiro. Já não é o corpo em busca do prazer, mas a mulher se comercializando para uso, prazer e deleite dos outros. Ao ganhar algum tostão, logo vai tornando o costume uma profissão. Surge assim a prostituta, e sempre se prometendo amanhã tomar outro rumo na vida. Mas daí em diante o destino do sexo, das casas de programa, dos bordéis de luxo, dos cabarés, dos inferninhos, até chegar ao Beco Torto.
O Beco Torto é considerando, assim, como a esbórnia da prostituição, como o lamaçal do meretrício, como o último refúgio das vidas perdidas e jamais encontradas. De vez em quando armas surgem em punhos, copos e mesas quebrados, tiros disparados, correrias e soluços. Hei de deixar essa vida, diz uma. Não nasci para padecer assim, diz outra. Mas tudo esquecido quando a música toca, uma dose é paga, uma esperança de sexo aparece. Vamos fazer amor, pergunta. Quanto é, indaga o outro. Depende, se serviço completo ou apenas o bem-bom...
Quanto mais a noite avança mais o Beco Torto continua acordado. Algumas mulheres ainda caminham de lado a outro, outras olham o relógio enquanto somam o nada do dia e da noite. Umas surgem cambaleantes, bêbadas, drogadas, de olhos vermelhos e gestos eufóricos. Ainda outras parecem adormecidas sobre as mesas. E uma ou outra chora. Pelos cantos, nos escondidos dos escuros, silenciosamente chora. E já não se preocupa que a lágrima desfaça a maquiagem e toda a máscara da vida.
Assim a vida no Beco Torto. Assim a vida das raparigas desse beco torto e sem saída. Mas continuam por lá, dia e noite, esperando clientes. Chegam mansas, calmas, silenciosas, como se saíssem de casa para um lugar qualquer. Mas de repente se transformam em Doce Mel, Fiofó de Ouro, Boca de Seda. Assim como aquelas prostitutas degeneradas descritas por Jorge Amado.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: