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sexta-feira, 29 de junho de 2012

O OUTRO LADO AO CONTRÁRIO (Crônica)

                         
                                             Rangel Alves da Costa*


É preciso muito cuidado para não querer transformar demais as coisas, os fatos e as realidades. De tanto forçar, revirar e remexer, acaba chegando ao avesso do avesso, precisamente ao contrário do outro lado. Quer dizer, no mesmo.
O outro lado ao contrário talvez seja a maior prova de que quem quer esconder demais acaba revelando o que pensou ter escondido. Não adianta negar, fingir, mentir, dissimular, se determinada realidade tende a aparecer pelo outro lado, exatamente onde se pensa estar imune à descoberta.
Desde os tempos antigos que lições são repassadas de boca a boca e sempre dizendo que o tempo destrói a feição e mostra a face; que o espelho guarda no outro exatamente aquilo que a pessoa não quis enxergar; que até a pedra se torna areia e depois espelho; que colocar cadeado na porta da frente será de nenhuma valia com a porta detrás aberta.
E diziam ainda que para falar um segredo ao ouvido seja preciso primeiro tapar o outro; que quem faz tudo para guardar segredo próprio acaba contando ao próprio pensamento; que quem desconfia demais, de tudo e de todos, conhece em si mesmo a razão de não confiar; que se vento estiver soprando ao redor não é bom nem pensar aquilo que não quer que as folhas saibam.
As lições e os exemplos são muitos. Até quando se mantém em segredo uma traição adulterina, uma confissão que uma amiga pediu por tudo na vida que não fosse repassada nem ao silêncio, um desejo íntimo que se mantém escondido até que o acaso revela o disfarce, uma vida que forçosamente se mantém na feição que não existe intimamente?
Muitas pessoas se acham reservadas demais, responsáveis demais, invioláveis demais, verdadeiros cofres cujas chaves nem sabem mais onde estão de tão guardadas. Como acontece com a água que vai batendo no rochedo até furar e o vento que vai transformando pedra em pó, aos poucos tais pessoas vão sendo traídas pelos exageros em tanto esconder.
Assim como o medo não oculta o temor, o inesperado é o maior inimigo do disfarce. Parece coisa misteriosamente premeditada, aquilo que está procurando se esconder atrás de uma rocha ou fingir que não está por trás de uma parede, de repente outra coisa que surge precisamente atrás da rocha e da parede torna escondido em descoberta rapidamente.
A formiga coloca na sua cabeça a folha inteira e repentinamente surge quase do meio da rocha, caminhando pelas suas fendas; o vento bate e levanta o perfume ou o odor, a abelha ferroa fazendo gritar. A sombra sai do espaço e ultrapassa o lado de fora da parede. Ninguém se mantém fechado por tanto tempo, principalmente quando há uma janela adiante.
Outro problema diz respeito ao se esconder por inteiro, algo que é quase impossível. Não adiante ocultar a parte da frente se atrás fica vulnerável; não adianta encobrir um lado quanto outro pode ser surpreendido a qualquer momento. E quem quer dissimular tudo ao mesmo tempo acaba se traindo pela própria fraqueza e fragilidade.
Por essas e outras é que não adianta insistir e persistir na mentira, no engodo, na enganação; não adianta tentar dar continuidade a uma situação que não tem a força de se transformar em verdade; não adianta querer impor somente aquilo que lhe favorece se nem tudo na vida sempre estará a seu favor.
Ora, só quem aceita a mesmice mentirosa de sempre é o espelho, e assim mesmo um dia cisma e quebra bem na cara do embusteiro. E chega a um ponto que a própria pessoa não se suporta mais, não sabe mais o que fazer, não encontra mais meios para continuar com sua novela. Daí se tornar fácil reconhecer a fala e o olhar de quem mente; sua falta de firmeza, ainda que ache que está agindo com férrea veracidade.
Como diria Caetano, tudo “Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. E por ser assim, não há outra coisa a esperar a não ser continuar sendo o mesmo da frente em qualquer lado que esteja querendo esconder.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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