SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 17 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (53)


                                           Rangel Alves da Costa*


Que momento lindo, que momento intenso, quanta beleza desnuda se deixando molhar inteira. Os olhos d’água miravam, as nuvens se aproximavam, o vento queria soprar mais pertinho, a natureza se encantava.
Encanto de flor, poesia agrestina, rima de tudo que é belo numa bela mulher. Ali completamente nua, deixando apenas que as águas se derramassem sobre si, parecia uma sereia brotando das correntezas para o deleite de tanta sensualidade.
Perfeição física, geografia corporal na sua mais plena divisão. E mais parecia uma joia embrulhada e revelada após cair o papel, após sumir a roupa, após a mulher se mostrar inteiramente mulher. Do fio do cabelo ao solado do pé, o sonho de qualquer homem. E que talvez nenhum jamais pudesse voar sobre os horizontes.
Somente quando entrou novamente em casa estava completamente em si. Ao despertar daquela magia molhada, percebeu firmeza no corpo, normalidade no organismo, a cabeça agora pensando com direção. Só não conseguia compreender o porquê de ter feito aquilo, de ter ido tomar banho daquele jeito, completamente nua.
Era como se a doença tivesse ido embora de vez. E doença até muito estranha essa, coisa ruim surgindo depois de um banho e desaparecendo depois de outro banho, e tudo acontecendo em algumas horas e debaixo da mesma tempestade.
A porta continuava aberta e deixaria assim. Certamente já era manhã, porém não dava para distinguir bem qual instante do alvorecer, pois tudo permanecia escurecido. Lembrou que continuava nua e até se sentiu envergonhada. Mas antes de vestir outra roupa foi até o quarto fazer uma coisa que nunca mais havia feito.
Com um candeeiro por perto, olhou-se de cima a baixo no pequeno espelho e viu o quanto era bela. Com a pouca luz, as imagens refletidas do seu corpo pareciam fotografias antigas, bem guardadas, bem conservadas. Mas o melhor de tudo é que era linda, era bela. Assim se achava, e isso já bastava.
Em seguida foi aprontar um cafezinho e pensar no que fazer dali em diante. Quando a chuva passasse teria de fazer muitas coisas. Talvez contratasse uns dois para limpar a terra, arar e prepará-la para o plantio. Talvez seus pais achassem bonito a filha tendo o cuidado de semear na terra o próprio sustento. Mas pensaria nisso depois.
Com o café quentinho na caneca, puxou um banco e colocou perto da porta, mas onde os pingos não alcançassem. E tomava o café olhando o tempo lá fora, a chuva caindo, pensando um monte de coisas. Pensava nos pais, na irmã, no seu irmão de destino incerto, no seu amiguinho caçador falecido tão cedo.
Não conseguia esquecer o verdadeiro jardim que tinha avistado por cima de sua sepultura e nem o acontecido depois. A chuva fininha caindo somente, o seu rogo para que ela se espalhasse por toda a região, e de repente aquele chuveiro todo molhando incontidamente por todo lugar.
Foi enquanto pensava nisso que lhe ocorreu outra ideia. E imaginou que do mesmo jeito que havia implorado para chover e assim se fez, choveu e continuava chovendo, bem que podia seguir até o mesmo local e ali, diante da cova do amiguinho, agora implorar para a chuva ir embora. Ao menos até os próximos dias.
Mas pensou também que seria não só arriscado demais como poderia parecer que estava tentando interferir numa coisa que não lhe cabia. Afinal de contas, aquela chuva toda também podia não ter nada a ver com o seu pedido. E tinha certeza que não tinha força nenhuma para agir perante a vontade divina, perante as forças da natureza.
E o tempo ia passando com ela ali de caneca na mão, com o olhar firme mirando o tempo imutável lá fora. E tempo que parecia não passar, que não trazia uma cor diferente, nada que fizesse lembrar uma manhã.
E se ficasse ali esperando a chuva passar, tão cedo não sairia do lugar. Somente três dias depois os pingos começaram a diminuir. E já no meio da tarde o sol começou a aparecer. E durante esse tempo havia pensado demais, chegado a muitas conclusões.
E agora prometia a si mesma a ser uma nova mulher. E completamente diferente do que havia sido até o presente momento.
Continua...    


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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