SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sábado, 23 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (59)


                                           Rangel Alves da Costa*


Ao acordar desse sonho quase voz, e que ninguém poderia realmente duvidar que não fosse palavra dita, Crisosta se mostrou assustada e se apressou a levantar para olhar da janela. E ali embaixo, bem pertinho do pé da rede, avistou umas plantinhas nascendo.
Achou muito estranho aquilo ali, principalmente porque não se lembrava de ter plantado nada naquele lugar. Entretanto, olhando mais calmamente sentiu uma profunda ligação entre o sonho de instantes e aquele surgimento inesperado.
Saiu dali, cruzou a porta e foi se agachar bem pertinho de onde as plantinhas cresciam, parecendo mesmo que já haviam brotado desde mais de semana. No estágio que estavam já se avistavam as folhinhas, o pequenino tronco crescendo querendo abrir os braços. E uma lembrança fez com que corresse até debaixo do carro de boi para tirar uma dúvida.
Agachou-se e olhou cuidadosamente o estreito jardim que continuava florescendo ali debaixo do velho carro. Algumas plantas dali eram da mesma espécie daquelas que cresciam debaixo de sua janela. E não demoraria muito para que fizessem surgir as cores em pétalas miudinhas.
Levantou e ficou matutando de lado a outro, com o pensamento inteiramente voltado pra essa descoberta. Mas em seguida lembrou que se uma coisa tinha a ver com a outra, então a beleza que achava no primeiro jardim encontrado deveria sentir também com relação àquele que surgia ali ao pé de sua parede.
E o sonho, ou a voz ouvida na cadeira de balanço, lhe chegava agora como um assombro. E não esquecia que havia ouvido muito bem que tudo que encontrasse seria para sua felicidade, para lhe dar alegria e prazer. E continuando com a tristeza, a aflição e a desesperança, cada pétala cairia, cada cor sumiria, não haveria mais jardim nem flor. E talvez nada mais fosse feito para alegrar seu olhar.
Só em pensar nisso chorou. E chorou porque dizia a si mesma que por mais que fizesse para ter uma vida normal, procurar sentir alegria, sorrir e até cantar, não conseguiria de jeito nenhum. Parecia mesmo que o seu olhar já estava acostumando a não enxergar beleza em nada, sua boca a se fechar para tudo, seu semblante petrificar diante da mais encantadora realidade.
De repente, enxugou os olhos com a mão e começou a cantar e a dançar, no passo da menina brincando de roda.
“Ciranda cirandinha,vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar. O anel que tu me destes, era vidro e  se quebrou, o amor que tu me tinhas, era pouco e se acabou. Por isso dona Rosa entre dentro desta roda, diga um verso bem bonito, diga adeus e vá se embora...”
“Nesta rua, nesta rua, tem um bosque, que se chama, que se chama, solidão. Dentro dele, dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu roubei seu coração, é porque tu roubastes o meu também. Se eu roubei, se eu roubei teu coração, é porque, é porque te quero tanto bem. Se esta rua se esta rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, para o meu, para o meu amor passar...’
“Fui no Tororó beber água não achei, só achei linda morena que no Tororó deixei. Aproveita minha gente que uma noite não é nada, se não dormir agora dormirá de madrugada. Oh! Dona Maria, oh! Mariazinha, entra nesta roda ou ficarás sozinha. Sozinha eu não fico nem hei de ficar, por que eu tenho o... porque tenho o...”.
E não conseguiu nenhum nome para dizer que seria seu par. E se danou a correr de volta pra casa, agora soluçando, chorando em voz alta. E tudo porque não tinha ninguém para ser seu par.
O que era o amor para aquela mocinha, a paixão, o querer, o gostar, o namorar? Nada. Sabia apenas que existia e que era bom. Certa vez ouviu isso de sua irmã. Mas jamais havia experimentado esse sentimento por outra pessoa. Por isso, nem numa cantiga de brincadeira de roda encontrava o nome de alguém para ser seu par.
E o seu pequeno jardim ficou mais triste.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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