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sábado, 30 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (66)


                                                    Rangel Alves da Costa*


Como não ouviu outro barulho na porta, Crisosta então pensou que deveria ter sido algo trazido pela ventania da noite ou mesmo fruto de sua imaginação. Por isso mesmo fez suas orações ali mesmo deitada e procurou pensar em coisas boas para o sono chegar logo.
Depois de voar igual passarinho, navegar num barquinho no leito de um lago azul, brincar de pular corda num jardim primaveril, morar num castelo bonito e ser chamada princesa, acabou cochilando. Viagem de sono é partida inesperada, passagem diante das surpresas que a mente traz.
Após adormecer, muitas vezes somente o corpo da pessoa permanece no local da dormida, na cama, na esteira ou na rede. Eis que furtivamente se faz viajante, turista, alguém que se levanta ou alça voo, sai correndo ou despencando da montanha mais alta, vivendo situações extremamente inesperadas.
Outras vezes não, pois apenas sai de si para o encontro com os antepassados, com a linhagem familiar até já esquecida, com aqueles que ainda desejava ter ao lado, mas cujo reencontro só é possível à força da mente sonhadora. E surgem os mortos, os sumidos, desaparecidos, os rostos e palavras que causam tanto tormento ao despertar no meio da noite ou na manhã seguinte.
Seria muito bom que a pessoa deitasse com a certeza que teria um sono tranquilo, pesado, sem sobressaltos ou pesadelos, despertando somente na manhã e com plena disposição para o enfrentamento do dia. Mas nunca o dormir se faz assim, leve e suavemente, mas segundo a predisposição mental para o portal do sonho. Ou do pesadelo.
E sonhou com a pedrinha doada ao seu irmão jogada defronte da casa, um pouco mais adiante, já perto da estradinha onde carro podia passar. A mesma estradinha onde um dia seu irmão esperou o caminhão pau-de-arara para seguir viagem. E no mesmo local onde o rapazinho retirou a pedrinha do bolso, resolveu não levá-la consigo, e jogou-a no meio do tempo.
E no sonho, alguém caminhava em direção à pedrinha, colocava a mão sobre ela e a retirava dali. Tentava a todo custo visualizar quem poderia ser aquela pessoa, mas infelizmente não conseguia enxergar nada de sua feição, do seu semblante. Somente os pés caminhando e a mão descendo no meio do mato rasteiro. E em seguida, os passos da pessoa em direção à sua casa, caminhando lentamente, até parar.
Via que a pessoa estava parada. Não era noite nem era dia, apenas uma cor diferente emoldurando a paisagem, tingindo o tempo, um sombreamento que ia mudando de tonalidade. Um zumbido de vento vinha de longe, sibilante silêncio. Folhagens passeavam pelo ar, o mato soturno parecia estender seus olhos indagativos sobre o local onde a pessoa estava.
A pessoa continuava parada, em pé, estática, olhando na direção da casa, certamente da porta, ou mesmo pensando em quem estava lá dentro. E deveria conhecer muito bem quem estava do outro lado daquela madeira já corroída. Mas qual sua feição neste momento, olhando naquela direção, seria de alegria, tristeza, dor, angústia? Bem que o sonho poderia mostrar a realidade dos sentimentos, mas não...
 Desse modo, não lhe era possível enxergar o rosto nem sentir seu estado naquele momento. Mas viu quando a mão foi estendida, levantada em posição de arremesso. E depois sentiu o arremesso dado, a pedra saindo da mão e seguindo a direção pretendida. Numa cena inacreditável, parecendo close de filme, enxergou o objeto velozmente cortando o ar.
Logo em seguida, como consequência dessa veloz travessia, ouviu um barulho da pedra batendo na madeira, dando um baque numa porta. E apareceu sua porta, a entrada fechada de sua casa, e a pedrinha caída ali debaixo, quase imperceptível entre uns garranchos que estavam ao redor.
Em seguida os pés novamente caminharam fazendo o caminho de volta, e a cada passo que davam iam desaparecendo, deixando apenas marcas, para em seguida não deixar mais nada. E ao fundo, talvez para onde a pessoa tivesse se dirigido, viu a mataria. E era o mato agrestino, de catingueira e aroeira, xiquexique e mandacaru, existente defronte e ladeando sua casa.
E ainda no sonho, se viu abrindo a porta, olhando amedrontada para os lados, e em seguida correndo naquela direção, no mesmo passo da pessoa desconhecida.
Continua...   


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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