SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 19 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (55)


                                                 Rangel Alves da Costa*


O tempo foi passando e a mocinha Crisosta continuando no mesmo dilema. Não via sentido nenhum na vida ficando ali, mas também não tinha pra onde ir. Ter de partir, necessitar seguir adiante, porém sem sair do lugar. 
E a cada dia ficava mais triste, mais se distanciando dos planos traçados e até da vida. Havia planejado trabalhar a terra para depois semear, plantar grão de subsistência, porém nem pensava mais nisso. Olhava a terra com desinteresse, tudo com desapego.
O cercado do terreno, derrubado em parte pelas chuvas, ainda estava do mesmo jeito, no chão. E o pior que agora tanto fazia muita coisa que antes dava muita importância. Não tinha mais nenhum prazer em cuidar da casa, deixá-la sempre limpinha e asseada.
De vez em quando a poeira se instalava por cima de tudo; as fotografias amareladas pareciam querer sumir. Nunca mais uma vela acesa no oratório, nunca mais uma prece, uma oração. E tanta devoção tinha a menina!
O mato crescia pelo quintal e ao redor da casa. Sorte que era mato rasteiro, crescendo e sendo comido pelos bichos que chegavam por ali sem ser importunados. Se cobra chegasse talvez nem fosse apoquentada.
Quase não tinha fome, quase não tinha sede, quase não tinha sono. Não sentia frio nem calor. Os olhos entristeciam e ela nada de se mirar no espelho envelhecido, embaçado, esquecido num canto. Caminhava pelo escuro sem acender candeeiro, tropeçava e nada sentia.
Mantinha-se apenas com um pouquinho de cada coisa, um pedaço de carne assada, uma porção de farofa de toucinho, um bolachão endurecido. E um gole de café. Um gole de café... Se parasse de comer de vez talvez não sentisse fome. Somente quando o corpo fraquejasse mais lembraria o que lhe faltava.
Mas sentiu falta daquele vizinho que um dia foi até a cidade comprar mantimentos. Quando as compras acabaram passou dois dias quase sem ter nada pra botar na boca. Mas tanto fazia. Pela fome não, que nem sentia, mas a ausência de tudo causava-lhe uma estranheza ruim, um medo terrível.
E o temor era de não ter nunca mais nenhum alimento ali. As lições das cozinhas e despensas empobrecidas ativavam esse sentimento ruim, esse temor da miserabilidade. Era como se visse sua mãe na cozinha chorando pela falta de tudo.
Não queria ir fazer feira de jeito nenhum, continuava irredutível quanto a caminhar pelas ruas do centro urbano, encontrar pessoas diferentes, um mundo que quase desconhecia. Era tudo estranho demais, principalmente o povo se cruzando, se olhando, se enraivecendo. Queria isso não. Por isso não ia não.
Teve de pagar a outras pessoas se quis adquirir alimentos. E assim ia mantendo sua despensa com o apenas ter, fugindo do medo da falta, subsistindo para o silêncio e a solidão. Mas quase não cozinhava, não acendia fogão, não fazia levantar no ar o cheiro de qualquer tempero.
Não temia enlouquecer porque não pensava firmemente em nada. Se a loucura viesse tão cedo, beijando tão prematuramente na face da mocinha, certamente a encontraria disponível, sempre aberta à insanidade. Por certo não reclamaria de nada, não contestaria perder a noção de mundo e de realidade em determinado instante.
Como dizem por ali, vivia aérea, voando, parecendo fora do mundo. Descuidada, desleixada. Um ser que vivia para mirar com olhos perdidos a imensidão do horizonte, que sempre parecia estar em outro lugar, noutro mundo bem distante.
Passarinho voava ao lado e tanto fazia, pousava no seu ombro e nenhuma resposta; o vento soprava seu cabelo, esvoaçava-o, fazia festa, e era como se tudo estivesse cimentado por cima da cabeça. Nada lhe mudava o aspecto, nada trazia um sorriso, um espanto, uma surpresa.
A não ser quando o cachorro, depois de muito tempo enfiado na mata, sempre fazendo companhia à cova do amiguinho, de repente apareceu. E chegou latindo, fazendo zuada, como se quisesse dizer alguma coisa. Como ela dava pouca importância, entrava e saía da mata, ia e voltava, e latindo cada vez mais alto.
E talvez por impulso que resolveu acompanhá-lo, enveredar na mataria para saber o que se passava adiante e fazendo com que ficasse assim tão nervoso.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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