Rangel Alves da Costa*
Além da totalidade histórica, creio que o
fenômeno cangaço pode ser dividido e analisado a partir de três gerações ou
contextos diferentes, mas que se relacionam entre si. Nas duas primeiras
gerações avistam-se as causas, os personagens e as consequências. E a última
geração refletindo todo o percurso, desde o surgimento aos novos conhecimentos
delineados a partir daquelas matrizes históricas.
A primeira geração seria aquela do cangaço em
si, desde o primeiro bando surgido, sendo apontado o de José Gomes, alcunhado
Cabeleira, com atuação a partir de Glória do Coité e assombrando todo o estado
de Pernambuco, lá pelos entornos de 1770. Em seguida o bando de Lucas
Evangelista, ou Lucas da Feira, passando a atuar em grupo a partir de 1828,
seguindo-se o de Jesuíno Brilhante, lá pelos idos de 1870 na sua refrega com os
Limões.
E no percurso ainda o famoso bando de Antonio
Silvino (Manoel Batista de Morais), considerado o rei do cangaço antes de
Lampião. Também apelidado de Rifle de Ouro, Silvino enveredou no cangaço como
integrante do bando comandado pelo seu tio Silvino Cavalcante de Albuquerque.
Após a prisão do tio tomou o bastão e passou a liderar o grupo, reinando nos
sertões a partir do final de 1900 a 1914, quando foi baleado e preso.
O mesmo senso de vingança que tornara Silvino
um cangaceiro temido, também esteve espelhado naquele que mais tarde seria
reconhecido como o maior cangaceiro de todos os tempos: Virgulino Ferreira da
Silva, o Lampião. Também fruto de um Nordeste lastreado pela opressão, pelo
mando e a injustiça, Virgulino avistou a estrada da luta após rixas e
rivalidades entre vizinhos.
O assassinato de seu pai, segundo apontam,
foi a gota d’água para que seu ódio se transformasse em revoltoso desejo de
vingança. Daí o primeiro passo para o que mais tarde se transformaria numa
guerra aberta contra o poder e o mando, ainda que destes também se apoiasse na
sua luta. Após formar um pequeno grupo de base familiar, mais tarde resolveu se
juntar ao grupo de Sinhô Pereira (Sebastião Pereira da Silva). Em 1922 o chefe
repassa a liderança do grupo para Virgulino, que daí em diante reinaria
absoluto durante cerca de 20 anos pelos sertões nordestinos, de 1918 a 1938.
Os historiadores ainda apontam outros grupos
primitivos no contexto histórico do cangaço, como sementes odiosas que foram
germinando até frutificar a portentosa umburana matuta: Virgulino, o Capitão.
Madeira de lei, foi derrubada pelo tronco mas não deixou que os cupins inimigos
lhe corroessem as entranhas. Com a queda do líder, e ainda que Corisco de vez
em quando relampejasse suas iras e juras de vingança, o cangaço se findou num
trajeto para começar outro percurso. É a partir daí que denomino de segunda
geração.
Como afirmado, a segunda geração diz respeito
à vida pós-Angico, depois daqueles onze que tombaram e da sobrevida daqueles
que conseguiram escapar, ainda que feridos. Nesta geração se avistam aqueles
que arribaram no mundo e nunca mais deram notícia aos seus familiares (Zabelê,
o de Poço Redondo, foi um deles), os feridos que tiveram de se entregar à
polícia, aqueles que se entregaram por conta própria e ainda outros que não
estavam presentes no Angico. Corisco, como se sabe, já não acompanhava Lampião.
É nesta geração pós-Angico que a história do
cangaço começa a ganhar uma dimensão maior. Como ocorreu com Euclides da Cunha
nos seus relatos jornalísticos de campo sobre Canudos, também o jornalismo já
vinha noticiando - com alarde, e quase sempre construindo uma terrível imagem
de Lampião e seu bando - os ataques cangaceiros e as perseguições das volantes.
Contudo, após a chacina e a partir de relatos de ex-cangaceiros, policiais,
coiteiros e outros envolvidos, as faces do cangaço saem das mãos dos
historiadores para os livros.
Livros foram publicados ainda sob os ecos
recentes dos acontecimentos do Angico. Suas páginas ainda cheiravam a pólvora,
a sangue apodrecido, ainda traziam gemidos, gritos, alvoroços. Ali ainda estavam
os espinhos cortantes e a feiura das cabeças cortadas e expostas, os olhos sem
luz daqueles que se entregaram. Tais obras foram escritas quase aos moldes
jornalísticos, a partir de diários de campo preenchidos no calor da luta, ainda
que alguns dos autores jamais houvessem pisado naquela região. E também
livros-relatos e autobiografias. Como aconteceu com o comandante João Bezerra,
no seu “Como dei cabo de Lampião”, outros personagens da saga também tiveram
transcritas suas memórias recentes.
E são tais livros que vão dando força à
história do cangaço. E porque tais obras foram sendo vistas por muitos apenas
como registros parciais, sem o necessário aprofundamento no contexto, é que uma
leva de estudiosos e pesquisadores passa a considerar o cangaço como fenômeno
que necessitava ser mais pesquisado, analisado e compreendido, surgindo daí uma
verdadeira literatura especializada. Surgem também teorias, concepções, pontos
de vista; enfim, o cangaço sob diversas óticas.
A terceira geração diz respeito, pois, ao
cangaço enquanto objeto de estudo, como fenômeno de investigação, a partir de
pessoas que proporcionaram uma abordagem de cunho científico ao tema. Mas são
também desta geração todos aqueles interessados ou mesmo apaixonados pela
história cangaceira, bem como aqueles que a cada novo dia despertam para a
importância dessa verdadeira saga nordestina.
As três gerações citadas se distinguem e
formam um conjunto. Os estudiosos e pesquisadores que fazem parte da última
geração se voltam a investigações específicas, mas sempre em torno das duas
gerações anteriores, do cangaço em ação e do pós-Angico.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Escritor Rangel, gostei desta divisão das três gerações do cangaço. Estudarei atentamente este assunto logo mais.
Abraços,
Antonio Oliveira - Serrinha
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