SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 1 de agosto de 2014

CHEIRANDO A LIMÃO


Rangel Alves da Costa*


Acaso fosse ele, certamente que seria meia hora para escrever o título acima. Teclava o “c” e apareceria “n”, apertava o “d” e surgiria “b”. O teclado apanharia como nunca. E tudo por culpa dele, até mesmo as palavras que só surgiriam tortas, incompreensíveis, cheirando a limão. Quanto às bebidas, impossível lembrar os nomes.
Ao invés de deitar, de dormir para ver se chegava a cura pro porre, ele resolvia fazer besteira: sentava diante da máquina para escrever devaneios. E sempre aparecia um monte de idiotices, de besteiras mesmo, e o pior que tudo como se tudo fosse de uma profundidade incrível. Um texto literário correto, importante, verdadeiro exemplo de lúcida criatividade.
Que nada. Tudo porcaria, coisa pra envergonhar se houver leitura no outro dia. O problema é que se corre sempre o risco de escrever um monte de porcaria, achar que está uma pérola e em seguida sair publicando por aí. Então será o fim, pois o mundo inteiro vai tomar conhecimento da lástima que foi escrita.
Só tem uma coisa boa nisso tudo, algo que não se deve deixar de admitir como genialidade, que é a coragem de vomitar de uma só vez tudo aquilo que por tanto tempo teve medo de escrever.
“O que posso fazer pra aquela porra entender que gosto dela. Só me falta arrancar um pedaço do céu, roubar uma estrela, cortar um pedaço de lua pra jogar pela sua janela. Já dei anel, dei brilhante, dei o que não podia dar. Cada anel tentando agradar é menos duas calças e duas camisas pra mim. E isso quando o anel é barato. Achei de comprar um presente dourado e até hoje vivo endividado feito um filho da puta. Faço isso tudo, me lasco, passo necessidade por causa dela e aquela zinha ainda fica botando banca. Vou ainda acabar correndo o risco de vê-la passar toda chique com tudo que dei, mas de mãos dadas com um pé rapado, um zé-ninguém. Mulher não tem jeito não. Se a gente é bom demais, ainda assim é ruim. Se é ruim vem logo a desculpa pra dar um chute na bunda. Sorte daquele que tem a sua sem precisar se endividar com o mundo. Mas desde que exista algum”.
“Fico puto da vida com demagogia religiosa. Não conheço um que não se diga temente a Deus, religioso demais, fazendo o percurso de vida segundo as lições bíblicas. Tudo picareta de marca maior. Até que frequenta a igreja, diz ser católico ou evangélico, sabe discutir alguma ou outra coisa da Bíblia, mas quando enxerga o dito pelo avesso vive mais em pecado do que ladrão de moeda de cego. Pra que frequentar igreja, se dizer religioso, temente a Deus, se não vale nada, não presta de jeito nenhum? Esse mesmo que se faz de bom moço não passa de um mal intencionado, de um covarde que vive falando da vida dos outros por trás, que não respeita a si mesmo nem a ninguém. Nunca vi dizer que uma pessoa saísse de uma missa e fosse pra casa de amante, fosse tomar cachaça e falar mal de todo mundo, fosse paquerar menina nova e mulher casada, fazer o que não presta pelos quatro cantos. O mesmo se diga dessas nojentas dessas falsas beatas e dessas que se encobrem toda de roupa e quando guardam o terço e o rosário vão fazer safadeza. Por isso é melhor ser como eu, que não boto pé em igreja pra tá ouvindo conversa fiada de padre pedófilo e cheio de safadeza”.
“A porra desse mundo tá todo errado e desde muito tempo. Não é possível que não percebam que essa merda não vai suportar por muito tempo o que os seus inquilinos andam fazendo. Antigamente ainda havia respeito, família se respeitando, pessoas educadas, boas práticas de convivência e outras coisas que ainda davam um gostinho em viver e se relacionar. Mas com o passar do tempo tudo começou a desandar. Quanto mais chega a ciência com o seu progresso mais o homem regride na sua condição cidadão, na sua essencialidade humana. Como máquina não vai mesmo mudar a cabeça de ninguém, pois provado está que o conhecimento não serve muito para o bem da humanidade, será preciso algum cientista maluco inventar qualquer coisa, assim como uma máquina que reconheça a mente de cada um e apague de vez todo aquele que não esteja servindo pra nada ou apenas viva com más intenções. Daí uma boa varrida no mundo, mas de modo que a poeira da imprestabilidade não contamine os que ainda merecem ficar. E talvez apenas uns dois ou três dentre esses bilhões de imprestáveis que povoam o mundo”.
Ainda bem que nunca mais bebi e não tenho nada a ver com isso.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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