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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

SERTANICE (Crônica)

SERTANICE

                                         Rangel Alves da Costa*


Ixi Maria, muié, que coisa mais fulô vosmicê já é, e inda querer se arrumá pa na festança mandá, no salão de rebôco rodá e a homizaida se admirá. Gosto não, gosto não, me aciuma demai de vosmicê coisa quentura que nem tição, pa meu coração padecê.
Mai home, dexe de prosa, me dê um cravo, traga a rosa, da frô serei bem formosa, sua pranta a mai mimosa. E pruquê ninguém me belisca, vá depressa, numa trisca, me compre um vestido frorido, iguar rainha parecido e num se faça de esquecido e traga um peufume tomem, daqueles que cheira bem, de louvor e de amém.
Me pormeta uma coisa, uma pequeninha ansim, que vosmicê gosta de mim e que é meu querubim. E se ouví de sua voz que a vida foi feita pa nóis, além do vestido de chita, da pursêra a mai bonita, mando matá uma cabrita que é pa nóis festejá, tanto amor e tanto amar que aminhã vamo noivá.
Logo aminhã na festança, nos bebê e comilança, cum o povo encheno a pança e eu adedando aliança? Acho mió outo dia, cum festa da merma alegria, poi já ouvi uma cunveusa, coisa que lhe interessa, que o bando do Capitão vem pagá uma pormessa.
Disso muito eu já sabia, e isso faiz muito dia, mai o Capitão Lampião num vem pagá pormessa não, vem visitá o lugar e a festa festajá, poi na festa da pradoera num é hora para vindita, pa briga e coisa mardita, seno mai coisa bendita que o Capitão aquerdita.
Se o Capitão vai chegá entonce a coisa vai azedá, a terra vai virá mar, mel de açúca azedá, e pruque pá essa festa o pade Artur vai chegá, com cangacero encrontá e num sei no que vai dá. Coisa boa num há de dá, nunca vi quarqué arcabuz ser amigo duma cruz, nunca vi ruidosa peleja se dá bem com a igreja, nunca vi um Lampião, home de fogo e tufão se dá bem cum sacristão.
Tem razão, muié, tem razão. Todo ano nessa festa chega ruim e o que num presta, mai agora é deferente, poi nenhum dos doi é gente, ao meno que a gente sente, poi se Pade Artur é quase santo, Lampião já tem seu manto, e se brincá num lampejo é doi santo sertanejo, seno um com céu cheio de beata e outo dum paraíso na mata.
Home tu tem razão, mai a coisa é deferente, coisa que a a gente nem sente. O porbema é o seguinte, medonho que nem acinte, mai os doi estano aqui tudo pode destruí, o de pé vai caí, a tristeza vai sorri. É que de uma hora pa outa igreja encrontano o cangaço num resta senão melaço, vai ser o maior bagaço, desmaia fita e fica o laço.
Aí vosmicê se engana, dessa garapa sei da cana, cunheço o que tá por detráis, dessa moita muita mais, coisa que só Seu China é capaz. Seu China e Dona Marieta, doi sertanejo sem treita, da gente a mai direita, já sabe como fazê, cuma os doi recebê sem causar quarqué padecer.
Isso aí eu quero vê, vai me custá aquerditá Pade Artur e Lampião os doi num mermo lugá, mermo a casa seno alargada, os doi ainda vai se encrontá. Coitada de Dona Marieta sem sabe o que fazê, cozinhá hóstia pa um e pa o outo gerimum, e se acaso errar de prato vai ser o maior zumzumzum.
Muié tá pensano demai, coisa mermo capaiz, mai num é nada ansim não. Seu China é amigo dos doi, cunhece o feijão e o arroiz, sabe misturá num prato só o Capitão e o sacristão e desse prato na mesa sai a maió surpresa, poi um na frente do outo é a merma sobremesa.
Intonce vosmicê quer dizê que os doi são de papa rala, que se respeita e se fala e é besta quem pensá que um falano outo se cala. E pelo jeito que diz nas dua cara um só nariz, na feição mermo matiz e é encronto dos feliz. Tô besta só de pensá, os doi no maió conversê, na mesa o mermo comê e gente na mata a se escondê, pensano que vai ter fuzuê.
Isso mermo minha nega, vosmicê sabe de tudo, mai aina nem metade. Parece mermo milagre, coisa da pidedade, mai quano chegá de tarde, na missa da irmandade, lá vai tá Lampião e vai ouví um sermão dedicado ao sertão, e nele o Pade Artur vai dizê, sem nenhum santo desmerecê, que o verdadeiro milagreiro é aquele cangaceiro, seu amigo Virgulino, do seu sertão seu protetor, de sua vida o destino.
E nóis vamo tá lá, pá vê e aquerditá, pa quem quisê dermití a gente logo confirmá.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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