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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 13 de julho de 2011

EM BUSCA DOS OLHOS DE DEUS (Crônica)

EM BUSCA DOS OLHOS DE DEUS

                      Rangel Alves da Costa*


Há muito que vivo em busca dos olhos de Deus. Aqui onde estou e por todos os lugares sinto a sua imensa presença, sinto a íris e o brilho, a retina e a pupila, mas não o alcance e o reflexo em toda sua máxima e infinita expressão.
Nas paisagens, cenários e quadrantes onde estou agora, os olhos de Deus sempre estão encobertos por fumaça, poluição, cimento, parabólicas, espigões, lixo, esgoto, chaminés, tudo num turvamento que apenas me faz imaginar como seria bom ter novamente diante de mim a limpidez da criação, o que o olhar cristalino me permitiria encontrar.
As selvas de pedra, as metrópoles, as cidades, os lugarejos, os recantos e cada canto, tudo nasceu diante da força e limpidez esplendorosa dos olhos de Deus. Num tempo de antigamente, num passado até mesmo recente, os olhos de Deus continuavam vivos e brilhando na natureza pulsante, nos leitos de águas cristalinas, na fauna e na flora abundantes. O homem se via e se sentia cheio de orgulho e prazer através dos olhos de Deus.
Naquele olhar que abria portas e paisagens, havia o encantamento do entardecer, as cores originais do alvorecer, os raios do sol caminhando sem empecilhos, a ventania soprando das colinas e montes e fazendo festa nas folhagens, nos arbustos que guardavam vida em cada cantinho escondido. Tudo era normal e vinha no tempo certo, a chuva, o tempo mais seco, as estações, o frio e o calor. O homem sabia se situar através dos olhos de Deus.
Contudo, tentando tomar as rédeas do destino, como é tão próprio do ser humano que se acha dono da terra onde lhe foi assegurado o direito de apenas viver, o homem, aos poucos, foi fechando os olhos de Deus e fazendo surgir paisagens e cenários ao seu modo de enxergar a vida. E daí em diante, principalmente nas cidades grandes, tudo aquilo que os olhos humanos passaram a enxergar nada mais é dos que os restos sombrios da beleza natural e encantadora que existiu um dia.
Mas os olhos de Deus continuam existindo, com o mesmo brilho e a mesma resplandecência de sempre, mas somente naqueles lugares onde o ser humano ainda não conseguiu fechar a cortina para os seus encantos. E por mais que alguns tentem anuviar, sombrear ou mesmo cegar a força desse olhar, mais a luz se torna mais presente para mostrar que a presença divina jamais será recoberta na terra e em cada ponto de sua extensão.
E sei onde encontrar toda a dimensão desse olhar, toda a extensão e brilho dos olhos de Deus. Por isso fecho as portas da cidade grande, dessa cegueira imposta pelo próprio homem, e seguirei caminho certeiro, e já pelas estradas mais distantes avistarei novamente o semblante, a face iluminada de todo o poder e glória, e nela a prova da existência viva do olhar divino, em tudo que houver ao redor e mais adiante, em tudo que se mostrar nas paisagens e na sublimação da natureza.
E os olhos de Deus estarão à minha frente e em tudo que eu possa enxergar, pois ali, no sertão, ainda que na mais característica aridez sertaneja, onde ainda não houve a total destruição e o homem não pisou com ferros nem pôs suas mãos ferozes sobre tudo, encontrarei o real significado da força da criação divina, pois talvez somente ali ainda a vida se alimente da íris divina.
Porque a luz dos olhos de Deus estará refletida no pequeno riacho que nasce na montanha e corre ladeando a cidade; na montanha que é moradia de árvores centenárias, espécies raras de flores, plantas, bichos e pássaros; no entardecer no serrado, com suas cores avermelhadas que fortalecem os sentimentos e depois vão se esconder em qualquer horizonte; na lua que chega inteira e nas estrelas que descem para brincar no terreiro, onde a família está reunida para celebrar a existência.
Porque a luz dos olhos de Deus estará refletida nos meus olhos, e nestes a alegria da vida, o encantamento com as paisagens e cenários ainda preservados, com a história que se alimenta do que não é destruído, com a esperança de que a cegueira jamais nos alcance. Porque tenho que enxergar mais e sempre, tenho que mostrar ao mundo que enxergo a vida pelos olhos de Deus.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com  

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