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segunda-feira, 4 de julho de 2011

TEMPESTADE - 56 (Conto)

TEMPESTADE – 56

                          Rangel Alves da Costa*


Ao se aproximar um pouco mais para socorrer Filó, Rosinha tropeçou numa perna que estava estendida no meio do caminho e deu um grito assustador: “Um morto, um morto, tem um morto aqui, tropecei na perna dele!”.
As outras duas, tanto Minervina que vinha atrás quanto Filó, que continuava caída, ficaram aterrorizadas com a notícia. A primeira, já meio tonta da bebida, nem ia pra frente nem pra trás, sentindo somente os cabelos espicharem medonhamente. Quis perguntar sobre o fato, porém as palavras não saíam da boca. A outra, que já estava deitada, se lembrou apenas de fechar os olhos e se enrolar todinha pelo chão.
Mas de repente, quando Antonieta, já despertando do desmaio, deu um curto gemido, porém audível por todo o vão, então foi que o mundo quase acaba mesmo. Mesmo sem saber aonde ia se bater ou mesmo pra onde ia, Minervina saiu numa correria tamanha que derrubou a porta do confessionário e caiu estatelada lá dentro.
Rosinha deu uns três gritos de quebrar cristal, depois se benzeu, se despediu da vida e desabou no chão. Mas em seguida, ao ouvir outro gemido bem pertinho de onde resolveu desmaiar, levantou numa pressa tão grande que mais pareceu uma perereca saltando. Em seguida tomou prumo na escuridão e foi se bater violentamente na porta lateral da igreja. Aí não pôde mais fingir nada, pois tomou um baque tão feio que foi arremessada pra trás, caindo desacordada.
Diante do ocorrido, dos gemidos bem ao lado e do barulho das outras duas, Filó se viu completamente sem saída. Não podia ficar ali ouvindo aqueles gemidos, pois, no seu pensamento misto de atordoamento e de bebida, já sentia o morto aproximando as mãos do seu corpo para arrancar-lhe o coração, furar-lhe os olhos, arrancar sua cabeça numa mordida.
Pensando no pior, e antes que o pior acontecesse mesmo, juntou forças para se arrastar uns cinco metros, mas como tinha certeza que o morto também se arrastava atrás quase chegando ao seu calcanhar, levantou num pulo e correu em tremenda gritaria: “O morto, o morto está aqui, matem o morto, matem o morto!”.
Socorro e Custódia, com a porta da sacristia trancada, ainda ouviram ao longe um barulho diferente, um tipo estranho de gritaria, mas achavam que fazia parte da tempestade, dos zumbidos das ventanias, do mundo acabando lá fora. Por isso mesmo que não se preocuparam logo em saber do que se tratava, só pensando em verificar no outro vão quando Filó passou bem ao lado da porta soltando aquele berreiro todo.
Deixaram o seminarista destilando corporalmente a bebida forçadamente ingerida e abriram a porta para ver do que se tratava aquela barulheira toda. Como não enxergaram nenhuma das três que há pouco haviam saído, Custódia começou a perguntar em voz alta: “Minervina, Filó, Rosinha, onde vocês estão? Não adianta ficar com brincadeira porque sei que vocês estão aí, por isso deixem de palhaçada e digam logo onde estão...”.
“Aqui”, ouviram de dentro da sacristia. “Aqui”, ouviram vindo de perto da porta lateral. “Aqui”, escutaram no meio da igreja, vindo debaixo dos bancos. As duas se olharam sem entender nada, sem saber o que fazer diante desses misteriosos avisos. Então Socorro tomou a iniciativa e perguntou: “Mas onde vocês estão mesmo que não aparecem? O que foi que ouve com vocês?”.
“Cuidado que tem um morto aí perto de vocês. Cuidado que ele quer pegar e matar todo mundo, por isso que todo mundo correu e está escondido. Ele tá bem aí pertinho de vocês, gemendo, aquele gemido de quem saiu das profundezas para devorar gente viva. Cuidado que ele tá bem aí”, disse Filó, já tendo se mijado duas vezes.
Desassombrada, disposta e encorajada pelo efeito do álcool, Custódia logo respondeu que se tivesse algum morto ali ele ia aparecer no mesmo instante. E passou a vasculhar o chão por cima do local do altar, mas só encontrou alguma coisa porque ouviu a voz de Antonieta pedindo pelo amor de Deus que ajudasse a levantar dali.
“Mas meu Deus, o que aconteceu com você Antonieta que tá aí esparramada no chão, parecendo que morreu e tornou a viver faz pouco tempo?”. Erguendo a mão pra Custódia, a mulher disse apenas que a tirasse dali que depois contaria tudo. Contudo, ao invés de levá-la para a sacristia preferiram colocá-la sentada por cima de um banco enquanto iam atender aos outros chamados.
Enquanto cada uma se dirigia para um lado, no intuito de fazer o acudimento, Custódia falou para que todas ouvissem: “Estão vendo, o morto já ficou vivo. Com medo de Antonieta caída e gemendo vocês fizeram essa gritaria toda e quase se lascam toda se batendo em correria. Magote de mulher medrosa é esse, que parece que só tem força na língua pra falar mal dos outros, pra inventar conversê...”.
E uma a uma foi sendo trazida para o mesmo banco onde Antonieta estava. Ainda cheias de dores pelos baques que tomaram, nenhuma estava disposta a entrar em detalhes sobre o ocorrido. Mas Antonieta chamou Custódia num local mais afastado do banco e lhe falou baixinho: “O caderninho caiu ali perto de onde eu estava. Vá pegar, mas tenha muito cuidado porque ele tem coisa escrita que é muito perigoso saber, por isso eu quase morro. Depois eu lhe conto. Vá pegar escondido, sem ninguém perceber”.
Custódia fez como a outra mandou, mas sem conseguir encontrar nada. Andou, zanzou, correu de cima a baixo de quatro pés, catou de todo jeito, porém não conseguiu achar nem uma folha solta.
E nem poderia encontrar nada, pois outra pessoa, estranha às que estavam ali em alvoroço, já havia entrado ali e recolhido o misterioso escrito.

                                                       continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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