SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 22 de julho de 2011

TEMPESTADE - 74 (Conto)

TEMPESTADE – 74

                          Rangel Alves da Costa*


Tomado banho e vestido com roupa enxuta, ainda que um tanto desproporcional ao seu corpo, vez que Teté era mais rechonchudinho, o viúvo aparentava outro homem, jovial, de feições bem definidas, moreno claro, de uma simpatia agreste, onde o sol determina a cor da pele.
Mas que homem bonito, disse Manuela a si mesma, já esquecendo um pouco o marido que a abandonou. O mesmo fez De Lourdes, só que esta não se agüentava mais dentro de si, com uma palpitação no coração e um enxame e pinicação pelo corpo que lhe deixavam zonzinha. Olhava pra boca do viúvo tristonho e se confidenciava que nunca tinha visto na vida lábios melhores para serem beijados. E fechava os olhos para se imaginar se lambuzando na boca do coitado do rapaz.
Não seria bem desrespeito àquele momento de dor, vez que apenas o pensamento das duas fazia festa, mas algo começou a acontecer que era pra lá de estranho. Mesmo sem comentar nada uma com a outra, tanto a solteirona como a abandona já estavam morrendo de ciúmes, até crescendo ódio quando uma percebia que a outra olhava o viúvo de uma forma mais adocicada.
Assim que foram para a sala, quando a defunta já estava estendida num banco largo e totalmente recoberta, com velas acesas e os donos da casa rezando e as duas fingindo rezar, pois no escuro procuravam encontrar os olhos do silencioso e entristecido viúvo, Teté pediu licença para falar uma coisa que lhe tinha vindo à cabeça. E disse:
“Vou ter que sair agorinha mesmo. Dei o remédio aos dois doentinhos e tenho que ir saber como eles estão agora. Ao sacristão eu dei primeiro e já deve tá fazendo algum efeito, e depois dei à professorinha. Depois de visitar um vou no outro, pois o destino me contou que eles não podem morrer. Mas quando eu voltar da escolinha vou ver se faço uma coisa, que vai ser como verdadeiro milagre se eu conseguir. É que eu vou ver se trago Marildinha pro lado da mãe Manu e também o meu amigo Tiquinho, que é pra se despedir da mãe. Ele nem sabe ainda que a mãe morreu, mas vou contar dum jeito que ele não fique tão aflito. Tô apenas dizendo, mas não sei se vou conseguir não, pois além do tempo do jeito que tá tem também de saber se eles querem deixar a professorinha com os outros tomando conta e vim pra cá. Vamos ver no que dá...”.
O pai de Tiquinho ia dizer alguma coisa, porém o choro ao ouvir o nome do filho impedia fazer qualquer coisa. Apenas o velho Timbé chamou o filho na cozinha e pediu que pelo amor de Deus, por tudo nessa vida, que ele quando voltasse e entrasse de novo por aquela porta que não trouxesse mais ninguém nos braços não, nem morto nem vivo e nem outros problemas pra eles resolverem. Os que já tinham ali já bastavam, pediu o pai confiando no filho.
Sempre pensando em como ia dar a notícia da morte da mãe a Tiquinho, passou quase correndo pela frente da igreja que nem se lembrou de ir visitar o seminarista. Entrou no portão feito uma bala e, de repente, pisou mais leve e foi andando lentamente, e por isso mesmo os meninos, lá dentro da sala, não perceberam quando chegou.
Diferente do que se poderia imaginar, vez que sua intenção maior era visitar a professorinha e saber como ela estava se sentindo após o remédio, a primeira coisa que fez foi perguntar por Tiquinho. Os meninos se espantaram com a pergunta e principalmente porque não haviam se dado conta de que o mesmo não estava ali. Olharam de canto um a outro, chamaram pelo seu nome e nada. Diante da preocupação entre todos, Teté disse que se acalmassem que dali a pouco ele seria encontrado.
Encaminhou-se para o cantinho onde Suniá permanecia deitada, sempre guarnecida por duas meninas, e perguntou como ela estava reagindo ao remédio. Então Paulinha respondeu que já havia acordado e perguntado se a chuva havia passado e em seguida disse que ainda estava com muito sono e dormiria mais um pouquinho. Então ele se aproximou mais, ficou de joelhos e em seguida passou a mão na testa, para depois sentenciar: “A menina vai ficar boa. A menina vai logo sarar, vai ser a mesma professorinha. Deus é mais, e a velha minha mãe, com suas mãos da experiência, seu saber de santa e seus remédios de quintal, também”.
Depois levantou e disse aos meninos que ia procurar Tiquinho e que não se preocupassem não que logo ele estaria de volta. Parecendo que já sabia o local onde ele estava, cortou a escuridão, sem se bater em nada ou dar uma topada sequer, e foi diretamente para a parte do fundo do pátio, lado contrário onde ficava a entrada, bem lá no fundo, num lugar realmente escondido.
E logo viu Tiquinho de costas, virado para o muro, recebendo pelo corpo lufadas de água e vento. Aproximou-se devagar e disse: “Não tenha medo não, sou eu, o seu amigo Teté. Por que saiu da sala e veio se esconder aqui? Tem alguma coisa nova a me dizer, Tiquinho?”.
Permanecendo do jeito que estava, sem ao menos se virar, perguntou: “Ela morreu, não foi, minha mãe morreu, não foi?”. “Mas por que você pensa isso, por que sabe disso?”, perguntou Teté, se esforçando para ser forte.
“Porque ela me apareceu de novo, não faz muito tempo, me deu um beijo no rosto e entrou numa nuvem...”. Então Teté colocou uma mão no seu ombro e resolveu contar logo a verdade:
“É, Tiquinho, sua mãe agora é um anjo ao lado do Senhor. Ela não estava mais suportando tanto sofrimento causado pela doença e Deus achou melhor chamá-la desse mundo para dar o conforto merecido no céu...”. “E meu pai, como tá meu pai?”, indagou o menino. E o maluquinho falou:
“Ele sofreu muito, Tiquinho, como já era de esperar, mesmo sabendo que ela não viveria muito tempo. Mas agora já está mais conformado. Tanto o corpo de sua mãe como seu pai estão lá em casa. Eu levei pra lá porque seu pai não ia ter condições de velar ela sozinha. Eu vim buscar você e Marildinha, você quer ir?”.
“Mas a mãe dela morreu também?”, perguntou. E recebeu a seguinte resposta: “Não, mas é como uma parte de sua vida tivesse morrido, pois a casa que elas moram desabou que não ficou nada de pé e tudo a essa hora já deve ter sido levado pela enxurrada. Mas ela não sabe disso não, e acho melhor por quanto ela não ficar sabendo, ao menos por enquanto”.
“Quanto sofrimento meu Deus, quanta coisa ruim acontecendo ao mesmo tempo. E tudo por causa dessa tempestade que não vai embora. Tem vezes que a gente passa odiar quem manda tanta chuva assim de uma vez só”. E ao ouvir isso Teté baixou a cabeça triste, sentindo-se culpado. Ora, era ele o dono da tempestade, segundo dizia.

                                                     continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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