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sábado, 23 de julho de 2011

POR UMA MORTE DIFERENTE, QUASE SEM MORTE (Crônica)

POR UMA MORTE DIFERENTE, QUASE SEM MORTE

                                Rangel Alves da Costa*


Por mais que a morte seja o acontecimento mais inevitável na vida, certamente que sua chegada muitas vezes gera consequencias indescritíveis. Nunca há aceitação pelo ocorrido, e quando o sinistro não é provocado naturalmente o mundo verdadeiramente desanda.
Com o fato, inicialmente o susto, o espanto, o grito, a dor, a agonia, a aflição e uma corrente infinita de sofrimentos. Mais tarde, e muitas vezes pelo resto da vida, a continuação do pesar, a tristeza latente, as lembranças amarguradas, a saudade dolorosa, o eterno pensar na pessoa que se foi.
Verdade é que o ser humano não aceita o fato de que um dia irá morrer nem perder para a morte as pessoas que são do seu convívio, que tanto amam, que tanto gostam. Ainda que a pessoa, por uma doença muito grave, já esteja com os dias contados e o fato seja previsível demais, jamais se aceitará o desfecho desse evento.
O que fazer, então, para que a morte venha, aconteça, cumpra o seu papel de findar a vida, sem amedrontar nem traumatizar tanto as pessoas? Como tornar o depauperamento da vida num processo mais aceitável, menos doloroso e sentido apenas como uma passagem de alguém para um outro vão na mesma casa da vida? O que fazer para se ter uma morte diferente, mais humana e compreensiva, coisa do tipo quase sem morte?
Antes que procure responder tais questionamentos, esclareço que a morte aceitável não há como ser extensiva aos chamados infortúnios causados por violências, desastres e catástrofes. Tão repentinos e inesperados que são a maioria dos episódios desse tipo, que não haveria meios de precaver o espírito, de prepará-lo para a aceitação.
Voltando ao que passo a denominar de morte pacífica, entendo que o conceito de morte e suas consequencias nas pessoas poderiam ser vivenciados de forma totalmente diferente se a igreja, no resguardo da temência aos mistérios divinos, não incutisse nas pessoas tal passagem como uma coisa catastrófica, afirmando logo que através dela o impuro estará abraçando as chamas da agonia. Esse medo forjado fez com que as pessoas pensassem a morte no mesmo patamar do pecado, do juízo final, da impossibilidade de salvação.
Se ao invés disso ensinasse a morte como passagem pacífica e não angustiante e dolorosa, que ela nada mais é do que uma viagem que não requer entristecimento, dor, lamentações e tristes lembranças e recordações, não haveria esse temor de um espelho tão cruel que ninguém quer enxergar a si mesmo nem aos outros.
Contudo, como esse conceito perverso continua arraigado no povo como verdadeira cultura, proponho outra forma de morrer e de se enfrentar a morte. Não quero que ninguém tenha como verdade nem como mentira, como possível ou impossível o que vou dizer, mas apenas que sintam nas minhas palavras um novo olhar sobre o inevitável.
Em primeiro lugar, ao invés da morte existir como algo que todo mundo espera, cada indivíduo deveria basear-se na sua existência, no seu próprio corpo e organismo, para saber que já está morrendo. Se desde o nascimento o indivíduo já vai perdendo suas forças vitais, não seria demais que a certa altura ele já tenha compreendido que já morreu um bocado.
Tendo a consciência que já não está mais tão vivo como os outros acham, pois ele mesmo sente suas fraquezas e seus problemas biológicos, deveria ir cuidando de demonstrar que já esta vivendo na fronteira entre a vida e a morte. E colocar os dois pés no outro lado é apenas uma questão de momento.
Quando as pessoas que vivem ao seu redor compreendem esse estágio, e elas mesmas sabem que o mesmo acontece com elas, então não seria nenhuma catástrofe, nenhuma coisa espantosa e angustiante demais quando passam a saber que a pessoa tinha razão no que dizia, que sentia já estar morrendo, e que efetivamente fez a viagem para o outro lado da fronteira.
E o outro lado da fronteira que a pessoa foi - um dia chamada morte - não será mais um caminho tão temido assim. Todo mundo saberá que a pessoa está lá tranqüila e pacificamente porque entendeu que esse dia chegaria. Já conhecia o seu corpo, já sabia do seu destino. E não haverá tanta dor, tanto desespero, tanta angústia, pois apenas viagem, apenas um passo para o outro lado.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com  

    

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