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quinta-feira, 14 de julho de 2011

TEMPESTADE - 66 (Conto)

TEMPESTADE – 66

                          Rangel Alves da Costa*


Correndo em meio à tempestade, Teté parecia próprio da paisagem assustadora. Cortava as águas, as correntezas e vencia tudo que havia pela frente como se fosse a ventania veloz, os raios e relâmpagos riscantes, os pingos grossos e incontidos que traçavam o ar. Se era o dono daquele tempo terrível, como ele dizia, parecia realmente misturado ao cenário exposto na escuridão.
E corria e saltava, e pulava e corria, virando esquinas, parando de vez em quando para se certificar do caminho. Já estava pertinho. Naquele ritmo, não duraria muito para chegar a tempo de salvar a professorinha. O problema é que tinha consciência de já ter demorado demais, já estar atrasado com a entrega da medicação. Mas também não tinha culpa, pois uma coisa e outra surgindo pelo caminho, tão urgente e tão necessária, fez com que Suniá ainda não tivesse tomado o tal elixir da salvação.
E se ela tivesse piorado, não tivesse suportado esperar tanto tempo? E se ela tivesse morrido? Tais indagações só começaram a surgir quando já ia virando a última esquina antes de chegar à rua da escolinha. Era só virar à direita e já estaria praticamente no portão. Mas como encontraria os meninos, como estaria ela? Será que encontraria pessoas esperançosas ou lágrimas derramadas naquelas faces inocentemente sofridas?
Distante dali, lá pelas bandas do riachinho, a mocinha linda de nome Saraí, aquela mesma apaixonada por um cavaleiro do céu, um viajante num cavalo alazão do espaço e que lhe fez uma inesperada visita, entrando no quartinho e espalhando como presente estrelas pelo ar, teve o seu destino traçado bem antes da premonição do garotinho Zezeu.
Esse menininho com um poder instigante de fazer previsão sobre o acontecimento das coisas, havia confidenciado à sua mãe um futuro difícil para a bela e apaixonada mocinha Saraí, mas tudo acontecendo aos poucos, sem pressa alguma, como sempre acontece quando uma pessoa tem uma sina dolorosa a cumprir.
Foram precisamente estas palavras que Zezeu disse à mãe, antevendo acontecimentos ruins na vida da mocinha:
“Vai ficar tão apaixonada acreditando que o seu namorado cavaleiro do céu voltará para buscá-la que irá enlouquecendo aos poucos. Um dia, mãe, infelizmente, quando ela já estiver completamente louca, mas quem ninguém perceba nada dessa loucura, ela vai sentir mais e mais saudades do seu namorado, vai entristecer achando que ele não volta mais e vai subir num lugar bem alto, o mais perto possível das estrelas, e lá de cima, quanto achar que pode correr pelo caminho estrelado, vai despencar e...”.
Quando a mãe perguntou se isso era sinal de que ela morreria, ele procurou responder com uma pergunta: “A não ser que o seu cavaleiro apareça. A senhora acredita que aparecem cavaleiros no céu para salvar as pessoas que se jogam do alto?”.
Mas a verdade é que o destino da mocinha enganou Zezeu. A infalibilidade das vidências e premonições do garotinho dessa vez caiu por terra. Saraí nem sofreu muito enlouquecendo aos poucos, nem teve o desgosto de ser chamada de doida por muito tempo. O mal não se alongou, estranhamente chegou, se apossou de repente e deixaria apenas suas consequencias numa vida sem praticamente mais nenhum significado.
Mas também há de se reconhecer que não é normal uma mocinha que, ao invés de viver seu presente e seu mundo, colocar os pés sobre a realidade, fantasiar menos e viver mais, já não trouxesse na mente algum tipo de entorpecimento. Há um limite entre a realidade e a fantasia, mas ela sempre procurou viver o lado fantasioso do mundo e das coisas. Se apaixonar por um cavaleiro do céu e fizer desse senhor da névoa brilhosa a esperança de tudo não pode ser sintoma de normalidade em ninguém. 
Assim, bastou que o seu cavaleiro sumisse do quarto e ela já não era mais a mesma, já estava totalmente tomada por outra pessoa, uma pessoa completamente louca, transtornada, sem ter mais juízo nem pra lembrar o próprio nome, se tinha pai e mãe, onde morava, o que fazia, quem era. Igual à partida do visitante, enlouqueceu de repente. Com o enlouquecimento o sorriso, a alegria, a festa, o canto, a dança, o passo, a janela. E da janela para a morte...
Morava na parte de cima da casa, é verdade, mas bastou abrir a janela e pular na correnteza que passava adiante e seguiu na vontade esfaimada das águas mortais. A mocinha, a bela Saraí, mulher doce feito a brisa da tarde, flor de jambo na virgindade da vida, aurora de toda manhã, ao invés de subir aos céus, ir procurar seu amado pelas nuvens, astros e horizontes, preferiu mergulhar.
E a noite molhada acolheu tão belo corpo e o arrastou, sem dó nem piedade, para as profundezas esfomeadas, para os esconderijos mais profundos do riachinho ou quem sabe pra muito mais adiante, pra qualquer mar distante, mar/amante de uma jovem que se apaixonou pelo impossível e não soube viver. E a tempestade fez sua mais bela vítima.

                                                 continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

  

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