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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 27 de julho de 2011

EU E MEU ANJO (Crônica)

EU E MEU ANJO

                                 Rangel Alves da Costa*


O anjo recebeu um urgente chamado, entrou num raio de luz e sumiu. Na pressa, sem ter tempo nem para se despedir, acabou esquecendo suas asas aqui. E ainda estão ali, na cadeira da sala de estar, no mesmo local onde ele me guardava antes de sumir.
Meu anjo é o guardião mais bonito que existe, numa sublime fosforescência, de voz macia e firme, com asas de plumagem que chegam a soprar uma leve e dançante poeira de minúsculas estrelas, mensageiro obediente, tanto do que peço em preces e orações, como às ordens que chegam de lá de cima.
É meu amigo, meu confidente, é tudo, mas às vezes discordamos um pouco e entramos em pé de guerra. Insiste em querer me acompanhar por todos os lugares aonde vou, até mesmo naqueles que não cabe a estranhos saber. Mas diz que não é estranho e voeja ao meu lado, ora ao lado direito do meu ombro, ora à minha esquerda.
Outras vezes, em momentos que somente ele pressente ser necessário, vai à minha frente, abrindo caminhos, me protegendo, me alertando para as pedras no caminho e os olhos nos labirintos, me soprando ao ouvido que vá, que tenha cuidado, que faça isso ou aquilo. Não raro sinto como se estivesse no meu próprio corpo, dentro de mim, me tomando todo. E depois eu entendo por que.
Quando estou com raiva digo que volte pra onde não deveria ter saído, que vá cuidar de sua vida, vá ser anjo de outro e em outro lugar, e que me deixe em paz. Já sou maior, sei o que quero, sei o que faço. Mas ele parece que nem ouve, não está nem aí pra o que digo, e se aproxima lentamente de mim e me chama de criança, de aprendiz da vida, de sonhador que não sabe o que quer. Acaba me convencendo que sou isso mesmo.
E se faço que não ouço ele dá o troco na hora. Diz que tudo que já fiz na vida foi acertado, que nunca errei a estrada por onde deveria seguir, que posso viver eternamente despreocupado porque não existem pessoas ruins no meu caminho. E é por isso que sou feliz demais, tenho plena satisfação no amor, que até hoje nunca sofri com falsidades, mentiras, invejas. Depois me pergunta se é verdade ou não é.
Faz isso porque sabe que nada disso é verdade e por isso mesmo preciso tanto de sua proteção. Não deixa de ser uma chantagem, e mesmo vindo, partindo de um anjo, é nitidamente um meio de me colocar na parede, uma forma de me deixar sem argumento para contradizê-lo e valorizar a sua presença. E tem sempre razão o desafeto que mais admiro.
Procuro mostrar que não preciso dele, porém não tem jeito. Horas e horas ele fica invisível, não dá um só sinal de presença e até penso realmente que ele foi atender algum chamado lá em cima. Então começo a escrever poemas de amor, ouvir músicas apaixonadas, reler as cartas guardadas, colocar novamente a fotografia dela em cima da estante, tomar um copo de vinho e ficar na janela pensando na ingrata.
E quando estou bem triste, em tempo de chorar mesmo, ouço uma voz bem ao meu lado perguntando se quer ajuda para tê-la de volta. Digo não, e ele diz sim, repito não, e ele repete sim. Mas quando enfim digo sim, ele diz que ainda não é o tempo certo, ainda não é o momento de reencontrá-la, e simplesmente porque apenas sinto saudades e tenho recordações, mas não sei se ainda a amo de verdade. E ele completa dizendo que o amor é tão importante num ser humano que qualquer dúvida sobre sua existência já não é tanto amar.
Mas neste momento sei que ele não está aqui. Recebeu um chamado urgente e teve que ir conversar com Deus, e com tanta pressa partiu num raio de luz que até esqueceu suas asas. Eu bem poderia escondê-las para sentir a sua reação quando retornasse, mas prefiro deixá-las no mesmo lugar e sair por aí como há muito tempo eu queria, livre e sozinho, sem ter guardião algum ao meu lado.
Mas é impossível andar sozinho sem ter um mundo ao redor acompanhando cada passo, olhando tudo que faz, vigiando sua vida. Se ao menos o meu anjo estivesse ao meu lado, a me dizer pequenas coisas, a me orientar. Mas hoje ele não está, porque se estivesse aqui sopraria que não fosse por aquele lado. Mas é minha intuição própria não ir mesmo por ali. Será?



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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