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sábado, 9 de julho de 2011

TEMPESTADE - 61 (Conto)

TEMPESTADE – 61

                          Rangel Alves da Costa*


A mesma pessoa que havia implorado para o esposo não sair com o veículo debaixo de uma tempestade daquela, pois tinha certeza que correria perigo demais, agora, subitamente, decide ela mesma, saindo sozinha, sem ter proteção alguma, se jogar desembestada porta afora atrás do seu amado.
O que explicaria uma atitude dessas, onde a pessoa em perfeita estado das faculdades mentais saberia que o resultado disso outra coisa não seria senão uma tragédia? O que faz uma pessoa mudar tão repentinamente de atitude, num instante atrás lutando para que algo não seja realizado e pouco depois ela mesma fazendo aquilo que era contra, e correndo ainda muito mais perigo, vez que enfrentaria a tempestade destruidora apenas com a roupa do corpo?
Por mais que surjam indagações, ainda assim não se obteria uma explicação convincente sobre o caso. Qualquer entendimento teria que partir de outro pressuposto, de outras possibilidades, de forças nem sempre conhecidas por todos. E isto porque a ação de Fabiana, ainda que se pense como ato de insanidade, foi amparada numa força misteriosa tamanha que, se fosse possível alguém conhecer com os olhos essa força, validaria toda e qualquer ação, mesmo nas condições mais adversas da vida.
E que força misteriosa, avassaladora, incompreensível, poderosa e tamanha é essa senão o amor? Quando alguém diz que o amor possui razões que a razão desconhece; que a força do amor é tamanha que os montes e as montanhas se tornam em caminhos livres e suaves para deixá-lo passar; que o amor consegue tudo, abre portas sem chaves, vence todas as barreiras, consegue aquilo que desejar, vence o que for mais invencível, então se está falando no amor que se revelou mais ainda na mente de Fabiana.
Na verdade, a força do amor trouxe o ânimo necessário para que ela se dispusesse a correr atrás do esposo onde ele estivesse, pois sentia no coração que o mesmo corria grande perigo, estava passando por grandes dificuldades, mas esse sentimento sozinho não conseguiria vencer tudo se não estivesse acompanhado de outras forças misteriosas.
E tais forças misteriosas precisamente para dar luz aos olhos que certamente pouco conseguiria enxergar embaixo daquela escuridão tempestuosa; dar força ao corpo frágil demais e tomado pelas dores da dura caminhada; dar boas e precisas ideias sobre o que fazer diante de cada situação encontrada; dar a força necessária para não desistir perante as muitas dificuldades encontradas; dar ainda mais amor no coração para justificar tudo aquilo que pudesse ser feito em seu nome.
Tais forças só poderiam ser as divinas, pois o ser humano de pouca valia será sem que a mão de Deus esteja sobre si, a seu lado e norteando o seu mundo. Dessa forma, mesmo sem ter a exata noção do que lhe impulsionava para prosseguir no intento, Fabiana contava com os poderes advindos do amor e as misteriosas forças divinas para seguir adiante. E foi por isso que abriu a porta e se jogou no meio da noite, no meio do tempo feroz, de tudo que pudesse encontrar pelo caminho.
Apenas seguia em frente sem saber aonde ia, escorregando, caindo, levantando, juntando forças e seguindo adiante. Não parava nenhum instante para ver se enxergava melhor algum norte, alguma referência para saber onde estava. Lentamente, pois as águas eram mais volumosas em determinados lugares e por baixo e em cima se amontoavam e corriam troncos, galhos e todo o tipo de lixo, e por isso de vez em quando pisava num lugar mais fundo e só faltava ser totalmente engolida.
Não pensava e nem queria saber se andava ou não pelas ruas que certamente Antonio havia passado para ir até os lados do riachinho. Seguia apenas adiante, firmando o olhar para qualquer lugar onde houvesse um ponto de luz. Ela sabia que se enxergasse os faróis do carro do esposo tudo seria mais fácil. Porém andava e quando mais seguia em frente mais se defrontava com o breu, com a escuridão total, vendo somente surgir os clarões refletidos lá de cima nas águas.
Cansada, dolorida, mas sem sentir cansaço nem dor, correria se pudesse para encontrar logo Antonio. Cada vez mais aflita e preocupada, tentou apressar o passo e pisou em falso, num buraco lá embaixo e o corpo tombou de vez, perdeu a força de sustentação e caiu. Desequilibrada, foi sendo arrastada pelas águas, passando o quarteirão até se bater num poste de esquina. Segurou com os dois braços no cimento, fez um esforço descomunal e levantou para enxergar alguma coisa adiante, porém ainda distante.
E nunca ela saberia como, mas aquelas luzes avistadas ao longe trouxeram no seu espírito um ânimo tão grande que quando deu por si já estava correndo desesperada, gritando “Antonio, Antonio, já estou chegando”. Era coisa de não se acreditar mesmo, mas as águas pela cintura, com meio mundo de empecilhos por todos os lados, e ela se aproximando do veículo.
Com o ímpeto que chegou perto do carro, não teve como parar a tempo e foi se bater bem no vidro lateral, no lado do motorista, onde estava Antonio. O baque foi forte, mas não o suficiente para ferir o rosto que se fez por inteiro bem na vidraça. Com o barulho e aquele rosto surgindo bem ao lado, Antonio tomou um susto tão grande que conseguiu abrir a porta sem querer.
E não acreditou no que viu.

                                                          continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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