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domingo, 24 de julho de 2011

TEMPESTADE - 76 (Conto)

TEMPESTADE – 76

                          Rangel Alves da Costa*


Ao ouvir o recado da professorinha, apertou o passo, quase dá um pulo pra chegar até o cantinho onde ela estava. Que felicidade naquela primeira visão, mesmo que a escuridão permitisse enxergar muito pouco.
Ainda suando muito, um suor frio formando gotículas da pele, já estava de olhos abertos e se comunicando aos poucos. Ouvia muito bem tudo que se passava ao redor, e por isso mesmo soube que ele estava ali e pediu para chamá-lo.
Teté se aproximou, passou a mão sobre sua testa, disse que estava muito feliz por encontrá-la já se recuperando e perguntou o que ela queria lhe dizer. Então Suniá primeiro se esforçou para erguer mais a cabeça e depois se contentou em puxá-lo pra mais perto e falou, numa voz ainda fraquinha e em tom baixinho:
“Tive um sonho ruim que um grande amigo meu, uma pessoa que gosto muito, estava muito doente e até correndo perigo de morrer. Não sei quanta verdade possa existir nesse meu sonho ou pesadelo, mas preciso ter a certeza que ele está bem. Por isso mesmo lhe peço de coração que procure saber como está aquele rapazinho seminarista, aquele moço chamado Tristão que de vez em quando está lá na igreja conversando com fieis e beatas. Por favor, faça isso por mim, é aquele...”.
E Teté completou sem medo do que ia dizer, também baixinho, de modo que ninguém ao redor pudesse ouvir:
“Aquele que a professorinha ama muito, não é? Ou será aquele que a mocinha há muito guarda no coração como um anjo amoroso bom e que tem no pensamento e em tudo, principalmente no coração, como o único e verdadeiro amor de sua vida? Ou será ainda aquele que...”. Mas ela beliscou seu braço, aflita, suando mais ainda, interrompendo suas palavras para dizer:
“Fale baixo, pelo amor de Deus. Hoje sei que você não está bem, deve ser noite de lua cheia, se houvesse lua cheia ou qualquer outra lua. Não repita mais essa bobagem Teté, quem já imaginou uma conversa dessas? Ele é apenas meu amigo, só isso...”. Mas ele continuou:
“Ele também ama a professorinha. Ninguém sabe não, mas eu sei e o mundo todo vai saber. E vai saber por que um amor tão grande não se esconde por muito tempo. E sabe o que aconteceu? Ele estava doente sim, até muito doente, e doença parecida com a sua, e quando estava desacordado dizia o seu nome, e dizia o seu nome de um jeito de quem ama muito. Você falava o nome dele aqui e ele falava o seu lá...”. E foi interrompido com outro beliscão:
“Eu falava o nome dele, é verdade? Meu Deus, mas isso não quer dizer que...”. E o maluquinho completou:
“Quer dizer sim, e quer dizer que vocês se amam. E se o problema dele é a promessa pra ser padre que um dia a mãe fez, cabe ao próprio decidir o que é melhor, e ele sabe muito bem que o melhor é obedecer ao desejo do coração. Ademais, Deus sempre perdoa quando há amor na escolha. E digo mais, pois para a pessoa semear a palavra de Deus não precisa ser padre ou viver dentro de uma igreja. Faz isso mesmo sendo casado e diante de cada um em qualquer lugar, bastando que tenha vontade de espalhar os ensinamentos divinos. Mas não posso ficar muito tempo aqui não e a professorinha tem que descansar mais um pouquinho até poder levantar. E antes que eu esqueça, vou sair daqui levando dois de seus alunos, Tiquinho e Marildinha. A família precisa muito deles, mas depois eu falo sobre isso. Depois eu volto aqui...”.
Mas antes de levantar ela puxou-o mais pra perto e segredou: “Não diga a ninguém sobre o que conversamos. Mas quero que diga uma coisa a ele e somente que o admiro muito como pessoa, como um grande amigo, como..., como uma pessoa especial em minha vida”. E já estava derramando uma lágrima fininha no canto do olho. E estava feliz, muito feliz, imensamente feliz porque enfim havia revelado parte daquilo que vinha lhe afligindo o coração.
Depois que levantou, Teté se encaminhou para outro canto da sala e chamou os meninos para dizer que pelo tanto que conhecia do tempo e sua experiência de outras chuvaradas, a tempestade não duraria muito pra passar. Coisa de uma hora mais ou menos, e por isso mesmo quando a manhã chegasse todos iriam retornar sãos e salvos para suas casas. Mas disse que naquele momento Tiquinho e Marilda iriam lhe acompanhar, pois suas famílias precisavam muito deles.
Espantada com essa notícia, Marildinha logo perguntou: “Mas por que minha mãe precisa tanto de mim agora?”. E Teté teve que se desdobrar pra inventar alguma coisa: “É que ela foi passar a chuva lá em casa, junto com minha irmã De Lourdes e acabaram sentindo muita falta de você. Quanto a Tiquinho, é porque o pai está precisando muito dele pra ajudar num serviço na casa, senão corre o risco dela cair. Não é Tiquinho?”.
O menino já estava na porta, somente esperando para sair. Entristecido, de cabeça baixa, não respondeu nada. Mas antes da partida foi até a professorinha para se despedir e disse: “Graças a Deus que a professorinha está salva, não corre mais o risco de morrer. Acho que ninguém morreu por causa dessa chuva, e os que partiram foram apenas descansar”.
E os dois saíram abraçados ao maluquinho, protegidos contra as forças da tempestade que ainda reinavam violentamente por todos os lugares. Não se sabe por que, mas perto dele se sentiam seguros. E foram cortando os caminhos que ele indicava, pulando aqui, saltando ali, até chegar próximo a uma esquina que dava para as proximidades da casa de Marilda.
E esta, sem ainda saber do desmoronamento, perguntou se poderia passar por lá. Diante da inesperada pergunta, o maluquinho arrumou como desculpa a pressa que estava para chegar logo ao destino, mas disse que antes de baterem à porta tinha de dizer uma coisa. E disse:
“Marildinha, vou contar uma coisa pra você tomar logo conhecimento. É sobre o seu amigo aqui, Tiquinho. É que a mãe dele morreu não faz muito tempo. Ela já vinha muito doente e não suportou. E pra o pai dele não ficar sozinho com a falecida em casa, então levei os dois pra casa. Assim, o corpo dela está sendo velado lá em casa por meios pais, o pai dele, De Lourdes minha irmã e sua mãe. Era isso que eu tinha a dizer, por enquanto...”.
E ela correu para o outro lado e deu um forte abraço no amigo Tiquinho. Depois disse: “Fique triste não Tiquinho. Fique triste não porque a gente perde muita coisa que gosta na vida”. E Teté ajuntou, pensando na casa da menina: “É verdade, é verdade, a gente perde muita coisa que gosta na vida”.

                                                     continua...





Poeta e cronista
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