Rangel Alves da Costa*
Apesar dos muitos transtornos que causam numa
cidade nunca preparada para receber chuvisco, as chuvas que vem caindo em
Aracaju são verdadeiramente abençoadas. E mais ainda se as nuvens pesadas estivessem
presentes nos céus de todo o Sergipe, principalmente na região do semiárido
sertanejo, onde a seca continua como ameaça.
Já é o terceiro dia de chuvarada boa, ora
mais intensa ora mais amena, porém constante. Amanhece e anoitece com aquele
clima bom de molhação, de pingo caindo, de goteiras latejando e biqueiras
jorrando. A não ser para os ofícios cotidianos, poucas pessoas se atrevem a
sair pelas ruas, ainda que protegidas de guarda-chuva. E ali e acolá, porém
desnecessariamente, um ou outro com casaco de frio. Frio em Aracaju é coisa
inexistente, e desde muito.
O que se tem a partir de junho é apenas a
diminuição do insuportável calor, mas nada que possa ser considerado como frio.
Talvez uma ilusão nordestina num povo tão acostumado às mais elevadas
temperaturas que basta o clima refrescar um pouco mais para já lançar mão de
casaco cheirando a naftalina. Na região sertaneja é diferente da capital, pois
a partir de julho até setembro as noites são verdadeiramente de geladeira.
Deitei com a chuva caindo, e chovendo muito,
e acordei na mesma constância molhada. Mirando o horizonte, em direção a Barra
dos Coqueiros, o que se encontra é uma formação carregada, fechada, sinalizando
que muita água ainda vai cair por aqui. Melhor que seja assim. Olhando pelas
ruas, avisto as correntezas que passam por cima do asfalto, lavando e levando
os restos dos dias idos, como se preparasse a cidade para uma nova vida.
Esse banho essencial que a cidade toma não
vem, contudo, senão também carregado de sacrifícios, dores, sofrimentos. Muitas
famílias habitam moradias que nunca estão preparadas para uma chuva mais forte.
Acostumadas com o tempo ensolarado, constroem em encostas, levantam paredes com
pouco barro, encobrem seus barracos com folhas de madeira, palha de coqueiro ou
papelão, e quando a chuvarada cai é um deus nos acuda.
Triste sina de um povo pobre, sofrido,
vivendo na miséria e no esquecimento dos poderes públicos, que nem na chuva
abençoada pode encontrar alegria. Pelo contrário, o que vem de cima em forma de
pingos grossos sempre traz medo, angústia, desolação. E quanto mais chove mais
as águas vão tomando conta do chão de barro, das esteiras e camas, dos caixotes
de frangalhos. Somente quando um barraco desaba é que a defesa civil aparece
para dizer que tudo faz para proteger a pobreza.
Contudo, como disse São Pedro, o chefe da
torneira lá em cima, não há chuva que não traga vida e também sacrifícios.
Estes são avistados nas regiões mais afastadas e pobres da cidade, nas
casinholas de um povo desprotegido de tudo, nas esquinas empoçadas do centro e
bairros, nas situações de perigo por todo lugar. Caminhar por Aracaju debaixo
de chuva é certeza de a qualquer momento ter de nadar para atravessar um rio de
lado a outro duma rua.
Mas, como disse o santo, também a vida
pujante, nova, esperançosa. Na perspectiva de mudança climática, a chuva é boa
para tudo. Não há nada melhor que a pessoa deitar com ela caindo, ouvindo seu
respingar no telhado ou no lado de fora, levantar com o tempo molhado, as ruas
lavadas, uma leve sensação melancólica. As plantas se fartam sozinhas, os
jardins mergulham festivamente, as pétalas se deixam escorrer como lágrimas de
alegria. E mais tarde o verde, a nova paisagem, a necessária crença no
renascimento.
Mesmo num dia de sábado, acordei cedinho, ou
ainda na madrugada, um pouco menos das três. Não precisei de banho de banheiro
porque a biqueira parecia me chamar no quintal. Venha, venha, aproveite, e fui.
E retornarei. Agora são seis e meia da manhã e após o ponto final neste texto
retornarei. A biqueira me espera porque sabe que sou sertanejo e gosto de água.
E principalmente gosto de chuva. Gosto do som da chuva caindo e da ressonância
provocada nos sentimentos.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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