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domingo, 31 de maio de 2015

ESPELHOS DO TEMPO


Rangel Alves da Costa*


Há uma concepção antropológica pregando que para entender o outro o indivíduo tem de sair um pouco de si para se inserir na realidade cultural daquele que deseja entender. Ou seja, impossível vivenciar e compreender determinada realidade a partir de um ponto de vista pessoal e sem a devida valorização do fazer, do pensar e do agir do outro.
O mesmo se aplica à História. Para que seu trabalho seja respeitado e reconhecido, o historiador tem de ser o mais isento possível perante o objeto estudado. Não pode e nem deve agir e compreender os fatos segundo partidarismos, concepções pessoais ou ideologias. Ou assim faz ou sua pesquisa já nascerá vinculada a um objetivo que apenas terá forjada sua demonstração.
Os entendimentos acima serviram tão somente como exemplificação para os fatos muito mais amenos que serão relatados a partir de agora. Contudo, necessário que fosse assim, pois o que pretendo demonstrar é o quanto é difícil compreender o mundo do jovem se o nosso entendimento tiver como pressuposto apenas o nosso mundo ou a realidade que adotamos como correta.
A compreensão da juventude jamais deverá ser feita a partir de determinados aspectos tidos como válidos para pessoas de mais idade ou mais velhas. Que se aceite ou não, mas o mundo do jovem é um e o mundo do mais experiente é outro, e muito mais o mundo do idoso. Que se aceite ou não, mas a concepção de vida do jovem é sempre diferente daquele de mais idade. Então há de se indagar: os jovens estão sempre certos ou sempre errados?
Surge então outro conceito antropológico, o de relativismo. Segundo a concepção relativista, os costumes, as crenças e os valores, devem ser vistos perante o contexto social dos indivíduos, e não em comparação ao que é adotado por outros indivíduos e sociedades. Significa que o erro ou acerto deve ser julgado pela própria cultura e não pelos outros. O que é certo num contexto social pode não o ser para outro. Por consequência, o que possui validade no mundo jovem pode ser totalmente desprezado no mundo de mais idade, mas nem por isso o idoso pode avaliar o erro da juventude por uma ótica pessoal.
Tudo se insere como num espelho do tempo. O jovem reflete o seu instante, a sua idade, a sua disposição, o seu modo de se inserir socialmente. Exemplificações claras deste momento de vida estão nos modismos, nos gostos pessoais, nas curtições. Logicamente que muitos dos gostos e gestos dos jovens confrontam os mais idosos, mas nem por isso podem ser tidos como errôneos. Muitas vezes as críticas são feitas sem ao menos entender que no passado, quando o adulto era jovem, o mesmo era feito como acerto.
No espelho do tempo também está o que já passou dos cinquenta, sessenta anos ou mais idade. No mesmo espelho está o reflexo de seu passado, desde criança à idade que chegou. E basta um olhar para o passado para compreender que o jovem possui um mundo que precisa ser muito mais compreendido do que criticado. Ora, mas se diz que no meu tempo não era assim, não havia tanta droga, tanta safadeza, tanta sem-vergonhice.
Tudo isso não passa de uma confissão saudosista. Nem todo jovem usa droga nem é malandro ou safado, mas todo jovem procura aproveitar ao máximo sua idade. E assim deve ser, pois não há fase na vida onde os portais estejam mais abertos para o encontro consciente com as belezas da existência. Se o velho de hoje não aproveitou o seu tempo como deveria, então é um problema de acusar a si mesmo, mas não colocar na juventude a culpa pelas dores do mundo.
Assim, para entender o jovem, o de mais idade deve compreender a realidade vivenciada por aquele, deve também compreender que viveu uma realidade parecida e que também foi criticado pelos mais velhos. Tudo é uma questão de tempo. Mas tempo mesmo. Chega um tempo que não somos mais e só encontramos erros nos que têm um mundo para viver.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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